Há um jargão muito
repetido nas decisões judiciárias brasileiras, preservado desde os juízos de
primeiro grau até o Supremo Tribunal Federal, ao qual não se costuma dar a
devida atenção. Diz-se: os juízes não são obrigados a responder questionário
das partes ao julgar as causas que lhes são submetidas. Ao oferecerem razões
concisas e coerentes para resolver uma questão jurídica terão cumprido seu
papel, mesmo quando deixem de apreciar os argumentos suscitados pelos
litigantes.
Note-se que não se
cogita nesta oportunidade de discussões referentes correção das justificativas
de fato e direito utilizadas nas decisões judiciais. Embora fundamental para
uma perspectiva reflexiva da “aplicação” do direito, não são foco dessa
análise. Trata-se, agora, apenas de verificar sobre quais argumentos os juízes
devem se manifestar quando do desempenho de seu ofício. Mais especificamente:
sobre a relação que as decisões devem ter com os pontos apresentados pelas
partes quando da apresentação do caso em juízo.
O dever de
fundamentação das decisões judiciais costuma ser interpretado pelos juízes de
maneira restrita. Embora haja previsões dogmáticas a respeito do dever de
fundamentação, estas são identificadas como cláusulas abertas, consignadas como
admoestação ao exercício da atividade jurisdicional. Deixam de lado qualquer
conteúdo descritivo acerca da fundamentação em si, restringindo-se a afirmar
que esta deve estar presente em todas as decisões.
São bastante conhecidos
os dispositivos legais apresentados para sustentar a violação do dever de
fundamentação das decisões judiciais, utilizados por todos os advogados que tem
seus argumentos ignorados pelo julgador. Na práxis forense nacional, costuma-se
designar esta tese por “negativa de prestação jurisdicional”. São apresentados
com bastante frequência o art. 93, IX da Constituição Federal, em que são
apresentados dentre os princípios gerais da magistratura a publicidade dos
julgamentos e a fundamentação das decisões sob pena de nulidade. São frequentes
também o apelo à lei processual civil especificamente mencionados dispositivos
localizados na seção referente aos poderes, deveres, responsabilidades e atos
do juiz, art. 128, 131, 165, e ainda outro localizado dentre os requisitos da
sentença, art. 458. Os artigos referentes a atuação do juiz são inseridos
dentre regras básicas sobre como a aplicação do direito deve derivar da lei.
Nesse sentido se afirma que as decisões devem observar os limites da lide
propostos pelas partes (art. 128, lembrando o princípio dispositivo previsto ao
art. 2º), devem atentar para todos os elementos de fato apresentados aos autos
e ainda desenvolver atividade probatória se houver meios a disposição não
explorados pelas partes e considerados indispensáveis para elucidação da causa
(art. 131, que trata de modo sucinto do “livre convencimento” e traz consigo
seus limites), e ainda a afirmação de que todas as decisões deverão ser
fundamentadas, ainda que de modo conciso. A referência ao art. 458 apenas se
refere a necessidade da sentença em reservar uma parte à fundamentação de fato
e direito, como requisito essencial para sua validade.
Para os não
acostumados com a tramitação dos processos judiciais pode parecer assustador,
mas não é incomum o número de processos que chegam ao final da tramitação em
segunda instância sem analisar seriamente qualquer dos argumentos apresentados
pelas partes. São incontáveis os casos da prática em que argumentos de fato ou
de direito são simplesmente não apreciados por mais centrais que sejam à
questão submetida à apreciação judicial. Por menos importante que seja a causa
para as partes, para a sociedade ou para o próprio Tribunal, não se pode deixar
de discutir seriamente o que significa uma prestação jurisdicional adequada,
sob pena de não conseguirmos distingui-la nem mesmo nos casos importantes.
A incompreensão do
dever de fundamentação advém de argumentos tradicionais que insistem em margear
o assunto, deixando de lado a natureza central do problema: a legitimação do
poder jurisdicional derivada do potencial epistemológico do processo. O
exercício da jurisdição é o exercício de um poder estatal para os quais os
juízes não foram eleitos por voto. Dentre os controles aos quais estão
submetidos, provavelmente o mais eficiente é a observância do direito à qual
deve demonstrar publicamente e por meio de justificativas autorizadas. Tal
controle somente funcionará adequadamente, respondendo a interpretações
divergentes sobre os fatos, caso sua natureza dialética não seja suprimida.
Problemas jurídicos
chegam ao Judiciário porque os envolvidos discordam sobre os fatos ocorridos
e/ou sobre a aplicação do direito. Não obstante as discussões sobre a natureza
da jurisdição (vide a discussão da processualística a respeito dos verbetes
adversarial e inquisitório) que geram consequências sobre as regras de
postulação (discussão a respeito do conteúdo da causa de pedir adotando teorias
da substanciação ou individuação), dificilmente encontraremos quem disputará a
necessidade dos juízes responderem às teses das partes a respeito da causa. O iura novit curia, tal como destaca
Calmon de Passos, deve ser entendido como um facilitador da postulação, sendo
possível ao juiz complementar ou substituir o entendimento jurídico apresentado
pelas partes ao julgar a causa.[1]
Evidentemente o juiz tem autonomia até mesmo para interpretar o direito de
forma radicalmente diferente do que as partes propõem. Entretanto, jamais
poderá ignorar as razões pelas quais postulam.
Nenhuma das
formulações da restrição do dever de fundamentação discute qualquer desses
aspectos. Fiz uma pesquisa rápida no sítio eletrônico do STF e não verifiquei
qualquer desenvolvimento da tese de restrição dos deveres de fundamentação. Nas
palavras do aposentado Min. Sepulveda Pertence, num dos posicionamentos mais citados
da jurisprudência sobre o assunto, o dever de fundamentação “não exige o exame
pormenorizado de cada uma das alegações ou provas apresentadas pelas partes,
nem que sejam corretos os fundamentos da decisão; exige-se, apenas, que a
decisão esteja motivada” (RE 140.370, 1ª T., 20/04/1993, DJ 21/05/1993).
Diversos julgados foram apresentados desde então, sempre no mesmo sentido,
tendo sido o posicionamento recentemente ratificado pelo Min. Gilmar Mendes, RG
em QO em AIRE 791.292, 23/06/2010, DJ 13/08/2010.
Mesmo não havendo
argumentos detidos a respeito da extensão do art. 93, IX da Constituição
Federal, o entendimento se perpetua. Os precedentes se limitam a repetir a
frase do Min. Pertence, sem analisar suas implicações para a legitimidade dos
julgamentos. Do jeito que se apresenta, a restrição ao dever de fundamentação mais
parece uma concessão à prática judiciária do que uma reflexão sobre a
legitimidade do exercício do poder pelos juízes, objetivo primário da referida
regra.
O problema assume
proporções ainda mais dramáticas quando se observa que o espectro das decisões
judiciais no Brasil está sendo ampliado ao se reconhecer mecanismos de oposição
destas a sociedade como um todo. Os chamados processos objetivos não se
restringem mais à Jurisdição Constitucional, ou a questões referentes a
direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, pois cada vez mais se
autoriza que os tribunais se manifestem de uma só vez a respeito de casos
considerados semelhantes. Seja por características próprias das questões
jurídicas absorvidas pelo Judiciário, seja pela intenção de obter isonomia e
celeridade na resolução dos casos que lhes são submetidos, as manifestações
judiciais tem sido cada vez mais direcionadas à sociedade como um todo. Nesse
cenário de protagonismo judicial, mesmo diante dos desenvolvimentos de teoria
processual, ainda há dificuldades em perceber a importância dos controles
mínimos dessa atividade: escrutinar suficientemente os motivos pelos quais a
decisão foi exarada.
Diante da justificação
sucinta do posicionamento das cortes brasileiras referente ao dever de
fundamentação, um cidadão benevolente somente poderia supor desenvolvimentos
válidos para tal tese, imaginando possíveis argumentações em favor desta.
A mim ocorre que teses
que sustentassem tais entendimentos teriam de se amparar necessária e
ingenuamente em concepções fortes de verdade. Poderia o STF estar supondo que,
ao decidir a questão de determinada maneira, estaria automaticamente
descartando todas as outras, desde que a argumentação em favor de sua própria
decisão seja forte o bastante para torná-la autônoma. Talvez se acreditarmos
intensamente em teses como aquela que busca a compreensão do direito com base
em argumentos de coerência sistêmica entre os dispositivos legais, poderíamos
sustentar um único sentido para uma norma excluiria as outras possibilidades
sem a necessidade de avaliá-las. Talvez se acreditarmos na existência da
possibilidade epistemológica de verdades insofismáveis, poderíamos afirmar que
quando essas condições estiverem presentes não sejam necessárias considerações
outras a respeito de teses concorrentes. Mesmo que deixemos de lado as
discussões filosóficas, é bastante difícil convir com tais perspectivas.
O
processo judicial não é uma forma de investigação propícia a demandar certezas.
O interesse antagônico de cada parte faz com que apresentem a causa de modo a
beneficiar a si própria, enfatizando os argumentos de acordo com as
perspectivas mais favoráveis a seus objetivos. Isso sem falar nas dificuldades
naturais de reconstrução dos fatos e na complexidade das questões jurídicas
submetidas. Não se trata de um terreno ideal para buscar verdades
inquestionáveis, digamos assim. Enquanto as reconstruções de fato desafiam o
judiciário a interpretar os meios de prova juntados aos autos e a construir
decisões coerentes a partir dos mesmos, discussões jurídicas são desafios a
construção de respostas coerentes com o ordenamento, dos princípios fundantes
às regras específicas, e adequadas ao caso concreto, exigindo-se que a resposta
proferida não seja apenas possível, mas preferencial em relação às demais
possíveis.
Essas conclusões,
além de razoavelmente capazes de serem aceitas por aqueles que observam o
direito, são teoricamente respaldadas por estudos dogmáticos ou extradogmáticos
do raciocínio jurídico. Incursões sobre o juízo de fato nas análises judiciais
tomam como ponto de partida a impossibilidades destes em reclamar a verdade
como elemento de legitimação, dando espaço a conceitos processuais obscuros
como “verossimilhança”, utilizado para designar o objetivo da atividade
instrutória. Da mesma maneira, a história mostra que a prática do raciocínio
jurídico jamais foi puramente lógico-dedutiva conforme já se propôs. Raciocinar
juridicamente sempre se referiu a oferecer razões para agir de tal ou qual
maneira em face de um conjunto limitado de regras socialmente aceitas, no
sentido de se conferir às mesmas entendimento convencional que prestigie
valores consagrados. Evidentemente, ante tais características, o raciocínio
ensejará sempre o concurso de discursos a respeito dos objetos analisados.[2]
É exatamente por tal
compreensão das bases filosóficas do processo judicial se torna imprescindível
redimensionar o entendimento vigente sobre o contraditório. O direito ao
contraditório não significa apenas de apresentar teses a respeito de
determinada questão fática ou jurídica submetidas ao tribunal. Contraditório
tem de significar que essas teses serão efetivamente apreciadas, que o
posicionamento das partes encontra eco nas decisões judiciais, que as partes e
seus julgadores sejam interlocutores uns dos outros em direção a um
entendimento mútuo que terá como resultado o exercício democrático do poder
confirmado numa decisão legítima e racionalmente aceitável para aqueles a quem
ela se dirige direta ou indiretamente. O processo judicial tem um papel
epistemológico na obtenção da decisão que somente pode ser verificado se
reconhecida sua natureza dialética, se reconhecida a importância da discussão para
o advento da decisão.[3]
Conferir ao
contraditório esse conteúdo não impõe ao Judiciário algo de irrealizável. Teses
podem ser afastadas de modo sucinto, sendo dever dos magistrados se ocupar
delas nem que seja para afirmar em poucas palavras o porquê de perderem a
concorrência para a tese vencedora adotada na decisão. Por meio desse argumento
é a natureza do processo que impõe tal compreensão de seu princípio mais
básico.
Dogmaticamente,
aqueles que buscam justificar a necessidade de consideração das razões
apresentadas pelas partes se utilizam de argumentos positivos para justificar
essa compreensão do dever de fundamentação. O Min. Marco Aurélio manifestou-se
a favor da necessidade do juiz se manifestar a respeito dos argumentos
veiculados pelas partes como algo inerente a entrega da prestação jurisdicional
legítima, cujo fundamento legal atribui ao cânone do art. 5º, XXXV da
Constituição Federal. Eis a ementa do acórdão de 1994, cuja decisão foi
unanimemente acolhida:
“Judiciário. Acesso. Alcance. A garantia constitucional alusiva ao acesso ao Judiciário engloba a entrega da prestação jurisdicional de forma completa, emitindo o Estado-juiz entendimento explícito sobre as matérias de defesa vinculadas pelas partes. Nisto está a essência da norma inserta no inciso XXXV do artigo 5º da Carta da República.” (Recurso Extraordinário nº 172084/MG, 2ª T., p. 29/11/1994. DJ 03/03/1995).
Esse argumento
centrado no dispositivo constitucional que prevê a inafastabilidade do poder
jurisdicional tem desdobramentos importantes na legitimação democrática dessa
atuação estatal. Acredito que o fundamento mais importante decorrente da
argumentação centrada nos deveres do juiz é justamente o cuidado que se deve
ter com a construção das decisões de modo que se torne racionalmente aceitável
pelos litigantes e pela sociedade como um todo. Deveres são impostos para
controlar atuação do agente público em determinado sentido. De qualquer ponto de
vista que considere o papel legitimador da argumentação jurídica nas decisões
judiciais, é fundamental exigir controle mais direcionado sobre poder que
exerce o juiz como agente público, além daqueles relacionados com sua
imparcialidade e a necessidade de apego ao direito positivo. A consideração das
teses apresentadas pelas partes é o mínimo que deve ocorrer em relação à
fundamentação das decisões judiciais, provendo testes de compreensão às
certezas do indivíduo que exerce tal função, indicando o erro daquele para que
se nega a tutela jurisdicional. Todos que partem do princípio de que a
argumentação jurídica tem papel fundamental de legitimação da decisão jurídica
não negarão essas assertivas.
Desta maneira, os
argumentos em favor da tese da necessidade de consideração das manifestações das
partes nas decisões judiciais, sejam de ordem epistemológica, sejam de ordem
política, indicam mais exigências do que são admitidas pelo Judiciário
brasileiro de nossos dias.
Cumpre destacar, por
fim, que o projeto de CPC em tramitação no congresso nacional prevê alterações
que tornam mais difícil ignorar que o dever de fundamentação das decisões
judiciais exige a consideração da manifestação das partes.
Há dispositivo que
desenvolve o conteúdo do contraditório em sentidos não usualmente reconhecidos
na prática judicial brasileira. Impede-se que os órgãos judiciários decidam
levando em consideração fundamentos fáticos ou jurídicos sobre os quais não se
tenha oportunizado manifestação às partes. Com isso, veda-se não apenas
decisões que desconsiderem a manifestação das partes, como também se
impossibilita que as partes sejam surpreendidas por interpretações que não
tiveram a oportunidade de debater. Tal compreensão do contraditório é
diretamente debitaria da natureza dialética do raciocínio jurídico e do
processo acima referidas.[4]
Não fosse apenas isso
há outro dispositivo que trata dos termos em que deve ser empreendida a
fundamentação jurídica nas decisões judiciais, complementando os dispositivos
tradicionais a respeito dos requisitos da sentença. Incluiu-se uma lista não
exaustiva de práticas a serem evitadas pelos juízes nas sentenças, sob pena nulidade
por ausência de fundamentação. Dentre esses, consta expressamente a hipótese de
“não enfrentar todos os argumentos deduzidos no
processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”.[5]
Embora tenha
excelente potencial prático, tais soluções somente serão efetivas com uma
percepção clara das necessidades de legitimação das decisões judiciais como
principal preocupação daqueles que estudam o processo judicial, intimamente
atrelada as características do raciocínio jurídico: é a perda desse elo o
principal perigo a ser evitado pelos processualistas.
Notas:
[1] PASSOS, José Joaquim Calmon de.
Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III – arts. 270 a 331. 4. ed. Rio
de Janeiro: Editora Forense, 1983, p.529.
[2] Embora não seja o objetivo desse
trabalho dirigir-se a natureza dialética do processo, remeto o leitor para às
obras que tomam essa perspectiva dentro da processualística: GIULIANI,
Alessandro. Prova (filosofia del diritto).
Enciclopedia del diritto. Varese: Giuffrè, vol. XXXVII, 1988, p. 526 e
seguintes; PICARDI, Nicola. Processo civile (dir. moderno). Enciclopedia del
diritto. Varese: Giuffrè, vol. XXXVI, 1987, p. 101-118. Nessas abordagens,
enfatiza-se que a modernidade tentou estruturar o direito de modo assimétrico,
de modo que o órgão judiciário tomasse posição de primazia em relação as partes
a partir de uma epistemologia científica não condizente com a natureza
histórica do direito. Tal abordagem obscureceria a tradição dialética desse
conhecimento, com impactos importantes na estruturação e compreensão do
processo judicial. Os fundamentos dessa abordagem do direito processual é
claramente inspirados nos estudos de Perelman e Tyteca, voltados a restaurar a
natureza dialética do raciocínio jurídico a partir do que foi possível
reconhecer claras consequências processuais. Cf. PERELMAN, Chaim;
OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado de argumentação jurídica: a nova retórica. 2ª.
Ed. São Paulo, Martins Fontes, 2008. Outras perspectivas sobre argumentação jurídica oferecem perspectivas importantes sobre o processo judicial, especialmente a partir da ética do discurso, algo que deixaremos para desenvolver em outra oportunidade.
[3] A extensão do contraditório é
abordada por Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, que reconhece a tal princípio conteúdo
muito maior do que a mera participação formal das partes no processo. Embora
não seja específico a respeito da necessidade do juiz se manifestar a respeito
dos argumentos das partes, parte do pressuposto de que o processo é
necessariamente dialético. Em face dessas características, defende uma ideia de
contraditório que valorize um processo participativo e legítimo do ponto de
vista epistemológico. Nesse sentido destacam-se 3 passagens do pensamento desse
autor:
[a] Quanto a natureza do processo: “O processo, fartamente influenciado
pelas ideias eeexpressas na retórica e tópica aristotélica, era concebido e
pensado como ars dissidendi e ars oponendi et ars respondendi, exigindo de
maneira intrínseca uma paritária e recíproca regulamentação do diálogo
judiciário. Dado que nas matérias objeto de disputa somente se poderia recorrer
a probabilidade, a dialética se
apresentava, nesse contexto, como ciência que ex probabilibus procedit, a impor
o recurso ao silogismo dialético. Na lógica do provável, implicada em tal
concepção, a investigação da verdade não é o resultado de uma razão
individual, mas do esforço combinado das
partes, revelando-se implícita uma atitude de tolerância em relação aos ‘pontos
de vista’ do outro e o caráter de sociabilidade do saber. A dialética, lógica da
opinião e do provável, intermedeia certamente o verdadeiro (raciocínio
apodítico) e o certamente falso (raciocínio sofístico). No seu âmbito,
incluem-se os procedimentos não demonstrativos, mas argumentativos, enquanto
pressupõem o diálogo, a colaboração das partes numa situação controvertida,
como no processo.” (p.2228-229)
[b] Quanto a atualidade dessa perspectiva: “Esse
novo enfoque [referindo-se a recuperação da natureza dialética do processo],
não por acaso, surge a partir dos anos cinquenta do século XX, momento em que
amplamente se renovaram os estudos da lógica jurídica e se relativiza, com
novas roupagens e ideias, o sentido problemático do direito, precisamente
quando – já prenunciado o pós modernismo – mais agudos e prementes se tornavam
os conflitos de valores mais imprecisos e elásticos os conceitos. Recupera-se,
assim, o valor essencial do diálogo judicial na formação do juízo, fruto da
colaboração e cooperação das partes com o órgão judicial e deste com as partes,
segundos as regras formais do processo” (p. 231).
[c] Quanto ao princípio do
contraditório nessa perspectiva: “Dentro dessas coordenadas, o conteúdo mínimo
do princípio do contraditório não se esgota na ciência bilateral dos atos do
processo e na possibilidade de contradita-los, mas faz também depender a própria
formação dos provimentos judiciais da efetiva participação das partes. Por
isso, para que seja atendido esse mínimo, insta que cada uma das partes conheça
as razões a argumentações expendidas pela outra, assim como os motivos e
fundamentos que conduziram o órgão judicial a tomar determinada decisão,
possibilitando-se sua manifestação a respeito em tempo adequado (seja mediante
requerimentos, recursos, contraditas, etc.). Também se revela imprescindível
abrir-se a cada uma das partes a possibilidade de participar do juízo de fato,
tanto na indicação da prova quanto na sua formação, fator este último
importante mesmo naquela determinada de ofício pelo órgão judicial. O mesmo se
diga no concernente à formação do juízo de direito, nada obstante decorra dos
poderes de ofício do órgão jurisdicional ou por imposição da regra iura novit
curia, pois a parte não pode ser surpreendida por um novo enfoque jurídico de
caráter essencial tomado como fundamento da decisão, sem ouvida dos
contraditores.” (p.238).
OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. A garantia do
contraditório. In: Do formalismo no processo civil. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva,
2003.
[4] Art.
10. Em qualquer grau de jurisdição, o órgão jurisdicional não pode decidir com
base em fundamento a respeito do qual não se tenha oportunizado manifestação
das partes, ainda que se trate de matéria apreciável de ofício.
[5] Art. 499. São elementos essenciais da sentença:
I — o relatório, que conterá os nomes das partes, a
identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, bem como o
registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;
II — os fundamentos, em que o juiz analisará as questões
de fato e de direito;
III — o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões
principais que as partes lhe submeterem.
Parágrafo 1º Não se considera fundamentada qualquer
decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I — se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase
de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II — empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem
explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III — invocar motivos que se prestariam a justificar
qualquer outra decisão;
IV — não enfrentar todos os argumentos deduzidos no
processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V — se limitar a invocar precedente ou enunciado de
súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o
caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI — deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência
ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no
caso em julgamento ou a superação do entendimento.
Parágrafo 2º No caso de colisão entre normas, o órgão
jurisdicional deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação
efetuada.
Parágrafo 3º A decisão
judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus
elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.
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