terça-feira, 29 de abril de 2008

“A arte de ter razão”, de Arthur Schopenhauer

I. Antes de mais nada.

A busca da verdade e a busca da persuasão não trilham necessariamente os mesmos caminhos. Não são poucas vezes em que somos persuadidos, ou presenciamos a persuasão de outrem, por estratégias argumentativas cuja finalidade é apenas ludibriar. Exemplos graves podem surgir na prática jurídica ou política, onde engodos argumentativos podem determinar decisões importantes para toda uma comunidade.

Se essas táticas obtusas de argumentação devem ser impedidas a todo o custo, é fundamental conhece-las para impedir que prevaleçam quando da discussão de fundo. Esse o declarado propósito de Schopenhauer com a obra ora apresentada.

A importância das técnicas de persuasão é percebida desde a Antigüidade, tendo sido especialmente enfocada na obra da Aristóteles (Tópicos), em que discute a forma de estruturação do raciocínio de um modo geral, onde se pretende esmiuçar todas as formas básicas pelas quais este se revela, se apresenta e se apreende.

Nessa obra, Aristóteles teria separado a busca da verdade através da analítica ou lógica (que visa obtenção de silogismos verdadeiros) da busca da persuasão através da [a] dialética (que visa aceitação de um silogismo como verdadeiro), [b] erística (que visa aceitação do silogismo como verdadeiro a partir de proposições não verdadeiras) ou [c] sofística (que visa aceitação do silogismo que apesar de falso parece verdadeiro).

Apesar de ao longo da obra traçar uma espécie de paralelo com a obra de Aristóteles, Schopenhauer não segue as classificações do filósofo grego por considerar que as categorias identificadas na busca da persuasão em algumas oportunidades se confundem com a analítica que busca a verdade.

Assim, afastando confusões de critérios, o filósofo alemão propõe a divisão radical de método de busca da verdade, analítica ou lógica, e da persuasão, que denomina ora dialética, ora dialética erística. Isso porque considerava que a verdade, em muitos casos, somente pode ser conhecida após a discussão: veritas est in puteo [a verdade está no fundo].

No livro, o autor busca desenvolver as técnicas de persuasão através de estratagemas, numa primeira tentativa de catalogar recursos dessa natureza, cuja importância se verifica em qualquer dos entendimentos sobre a cognição humana.

Apresento esse texto por já ter sido enganado pelos mestres da retórica, outro nome para estelionatários da razão. Conhecer seus estratagemas é importante para não permitir que eles prevaleçam.

Tentei ser fiel ao texto, abdicando de organizar por mim mesmo os estratagemas. Conforme vejo, alguns não deveriam existir isoladamente, outros deveriam ser agrupados. Isso, entretanto, seria trabalhoso e arriscado, por isso resolvi apresentar na forma a seguir.

II. Essência da disputa.

A disputa inicia-se com a proposição de uma tese cuja refutação pode se dar de 2 modos e 2 caminhos:

i. Modos:
[a] Ad rem: demonstração de que a tese não concorda com verdades tidas como absolutas.
[b] Ad hominem ou ex concessis: demonstração de que a tese não concorda com outras proposições do próprio adversário.

ii. Caminhos:
[a] Refutação direta: ataca tese em seus fundamentos. Para isso pode-se [a.1] demonstrar a falsidade dos fundamentos ou [a.2] aceitar os fundamentos, mas negar que a tese resulta deles.
[b] Refutação indireta: ataca a tese em razão de suas implicações. Isso pode ser feito por:
[b.1] Apagogia: aceita-se a proposição do adversário como verdadeira e depois compara-se com outra aceita pacificamente (ad rem ou ad hominem) para retirar conclusão evidentemente falsa, colocando sob suspeita as premissas adotadas.
[b.2] Instância (exemplum in contrarium): refutação de uma tese genérica através da utilização de casos isolados compreendidos na tese genérica, mas que não se submete a ela, invalidando a proposição.

Essa estrutura formal da argumentação pode ser trabalhada de maneira a confundir seus elementos para provocar a aceitação da tese proposta pelo adversário.

Imperativo ressaltar antes de serem propostos os estratagemas que esses dependem de uma condição: de que os litigantes partam dos mesmos princípios relacionados como parâmetro de julgamento da questão (contra negantem principia non est disputandum).

III. Estratagemas:

A apresentação dos estratagemas segue a ordem proposta pelo autor. Tentei seguir o conselho do texto de atribuir nomes a cada um deles para facilitar sua identificação e referência. A maioria dos exemplos são retirados do próprio livro.

1. Extensão indevida simples: Consiste em exagerar a proposição do adversário além de seus limites naturais e inversamente concentrar a própria afirmação num sentido apropriadamente limitado. Obtém-se, assim, a ampliação de possibilidades de ataque da tese do oponente e de defesa da própria.
Exemplo:
Tese: A paz de 1814 restituiu a independência até mesmo a todas as cidades hanseáticas alemãs.
Refutação através de exemplum in contrarium: Mas Danzig perdeu a liberdade que Bonaparte lhe concedera.
Antídoto: Eu me referi às cidades hanseáticas alemãs, Danzig era uma cidades hanseáticas polonesa.

2. Extensão indevida por homonímia: Homonímia significa que dois diferentes conceitos são designados pela mesma palavra (contrário de sinonímia onde o mesmo conceito é designado por duas palavras diferentes). Utilizando esse expediente, tenta-se confundir o significado da proposição inicial, estendendo-a indevidamente.
Exemplo:
Tese: É insensato afirmar que é desonrado quem não responde ofensa com injúria maior, pois a verdadeira honra não ferida por aquilo que se padece, apenas pelo que se faz.
Refutação: Mas e o caso de um comerciante de quem se diz ser trapaceiro? A honra seria atingida por ataque alheio e somente poderia restabelece-la por penalidade ao agressor.
Antídoto: Honra tem mais de um significado. Referi-me à honra cavalheiresca cuja ofensa ocorre por meio de injúrias. A refutação se refere à honra civil, que ocorre por difamação. Não é possível a extensão do argumento.

3. Ignorar as condições de argumentação: Deturpar o sentido proposto ignorando as condições em que é feito, tomando a assertiva como absoluta.
Exemplo (não constante do texto):
Tese: Numa sociedade desigual o Estado tem o dever de trabalhar para proporcionar a redistribuição de renda, como defende tradicionalmente o pensamento esquerdista. [Mais adiante] Os esquerdistas não compreendem corretamente o papel econômico do Estado.
Refutação do argumento ad hominem: Tese é incoerente quanto à posição do Estado em face da economia, defendendo a um só tempo intervenção e não-intervenção.
Antídoto: É possível em dadas condições defender que o Estado permita o livre mercado e promova a redistribuição de renda ao mesmo tempo, sem prejudicar a coerência. As duas assertivas tem limites distintos.

4. Condução longínqua do assunto: Há casos em que o adversário não admite premissas para não conceder sua dedução. Duas são as possibilidades para conduzi-lo a aceitá-las: [a] propor de modo esparso as premissas de modo a ocultar a dedução; [b] quando não se tem certeza que o adversário as admitiria, apresentar premissas das premissas de modo a fazer com que ele concorde com as conclusões até que o necessário seja admitido. Necessário no caso de argumentos ad hominem. Exemplos não necessários. Muito semelhante aos estratagemas 7 e 9.

5. Utilização de proposições falsas concedidas: Caso o adversário insista em não reconhecer proposições verdadeiras, utilize-se as falsas que ele admite contra ele mesmo. Na dialética erística é possível que de premissas falsas resultem proposições verdadeiras.
Exemplo: Quando algum integrante de seita da qual não simpatizamos, podemos empregar contra ele os princípios da mesma, ainda que não concordemos com eles.

6. Petitio principii oculta: A petição de princípio é uma falácia que compromete a validade do argumento. Segundo escrito do caríssimo André Coelho, publicado em seu excelente blog, a petição de princípio é estrutura argumentativa equivocada não porque a conclusão é equivocadamente obtida das premissas, mas porque a conclusão está contida na própria premissa. Supõe-se como verdadeira a proposição que se quer provar.
Exemplo de Descartes: Premissa 1. Deus é um ser perfeito; Premissa 2. Dentre os atributos da perfeição está a existência. Conclusão. Deus existe.
Por mais que se defenda a existência de Deus esse não pode ser considerado um argumento válido, já que a conclusão não deriva da premissa apenas está contida nela mesma. O argumento só prova que se existir um ser perfeito, esse teria que, para ser perfeito, existir. Jamais pode significar, só por isso, que tal ser de fato exista.
O recurso da petição de princípio pode, entretanto, ser manipulado de forma convincente. Schopenhauer propõe fazê-la ao se postular o que se pretende comprovar.

7. Perguntas desordenadas: Uma das táticas de explanação é a condução de raciocínio através de perguntas, fazendo com que o interlocutor acompanhe a construção assentindo com suas premissas até que se apresente a conclusão. Um estratagema argumentativo é fazer muitas perguntas de modo pormenorizado, ocultando o que se quer ver admitido, para então apresentar a proposição central. Muito semelhante aos estratagemas 4 e 9.

8. Provocar raiva no adversário: A raiva tira concentração necessária no foco do debate. Pode ser obtida ao tratar o adversário com declarada injustiça.

9. Manipulação da ordem das perguntas: Impede que o adversário perceba a conclusão que se pretende ver concedida, conduzindo-o a respostas para diferentes conclusões. Muito semelhante aos estratagemas 4 e 7.

10. Conferir ao adversário falsas pistas: Ao se perceber que o adversário pretende negar as premissas necessárias a proposição, apresentando perguntas de modo a fazê-lo acreditar que se quer chegar a conclusão contrária, ou perguntar sem indicar onde se quer chegar.

11. Indução indevida: Apresentar casos particulares de onde emirja determinada proposição através de perguntas, obtendo o assentimento do adversário. Generalizar a conclusão sem perguntar, dando a impressão que o assentimento se estende à conclusão.

12. Manipulação semântica: Schopenhauer entende esse como o mais intuitivo dos estratagemas. Consiste em conferir a uma idéia identificação semântica mais apropriada para a proposição que se defende: adultério/caso amoroso; forte religiosidade/fanatismo, dificuldades financeiras/bancarrota, etc.

13. Contraste forçado: Apresentar dois argumentos opostos, privilegiando o que se quer ver aceito para induzir a resposta e obter a premissa. Schopenhauer usa interessante comparação para explicar: é como colocar o cinza ao lado do preto e chamá-lo de branco.
Exemplo: Tese: Um homem tem de fazer tudo o que seu pai lhe ordene- Deve ou não obedecê-lo? Resposta: Frequentemente. Tese: Em muitos ou poucos casos? Resposta: Muitos.

14. Falsa proclamação de vitória: Confundir o adversário tolo ou tímido com muitas perguntas e, mesmo sem obter respostas favoráveis proclamar o reconhecimento da tese.

15. Obter alguma razão: Quando é difícil a comprovação de uma proposição, ainda assim não se pode parecer sem razão aos olhos dos presentes. Para isso, pode-se formular uma tese relacionada ao assunto original e correta, mas não evidente, para que o adversário se manifeste. Caso ele a rejeite por desconfiança, triunfa-se com a razão substancial. Caso ele a aceite, ao menos alguma razão se teve no debate.

16. Avaliação do argumenta ad hominem (ou ex concessis): Pesquisar coerência das afirmações do adversário comparando com o dito anteriormente, dogmas que aceitou, ações dos adeptos desses dogmas ou com o comportamento do próprio mesmo que falsos ou aparentes.

17. Distinções entre tese e contraprova: Quando se apresenta uma prova contrária à tese, por vezes é possível chamar atenção para diferenças entre os casos, tentando colocar nossa posição a salvo dos ataques.

18. Mutatio controversiae: Ao perceber que o adversário tem razão não se pode deixá-lo concluir. Devemos interromper ou desviar o andamento da disputa.

19. Fuga para o geral: Se o adversário exige refutação de ponto específico e não se tem nada adequado, parte-se para a generalização (contra a confiabilidade do ponto específico proposto) e depois argumenta-se contra a generalização. Pode-se fechar relativizando a validade do conhecimento humano.

20. Concluir sobre premissas aceitas: Se o adversário admite premissas, não devemos perguntar a conclusão delas, mas deduzi-las. Forma mais eficaz de fazê-lo é suprimindo algumas das premissas.

21. Excluir um sofisma com outro sofisma: Ao invés de derrubar argumentos sofísticos com longas explicações preferir igualmente um sofisma, mais breve e mais poderoso para convencer do que longas explicações.

22. Recusa de premissa por petitio principii: Utilizar o expediente de petitio principii em benefício da própria premissa, no sentido de recusar peremptoriamente a premissa do adversário, impedindo sua vitória.

23. Conduzir o adversário ao exagero indevido: Deve-se incitar o adversário a expandir a própria afirmação de maneira indevida para refutarmos sua validade fora do âmbito inicialmente proposto. Deve-se deter o expediente contra nossa argumentação refutando o exagero.

24. Fabricação de conseqüências: Utilizar falsas deduções ou deturpações de conceito para forçar proposições não correspondentes à do adversário. Assim é possível levantar contradições aparentes na argumentação do adversário, jogá-las contra verdades reconhecidas (refutação indireta ou apagogia).

25. Falso exemplo em contrário (ou instância): Trata-se de uma refutação indireta através de exemplo que descaracteriza a proposição do adversário. Necessário avaliar o exemplo: i) caso apresentado é mesmo verdadeiro; ii) verificar se está compreendido na proposição apresentada; iii) verificar se há necessária contradição entre o exemplo e a proposição.

26. Retorsio argumenti: Usar a proposição adversária contra o próprio, dando a impressão de má compreensão do caso.
Exemplo: Tese: É uma criança. Não devemos leva-la tão a mal. Retorsio: Justamente por se uma criança deve ser castigada..

27. Provocar o ponto fraco do raciocínio: A raiva do adversário quando se toca em determinado ponto pode denotar sua fraqueza. Insistir energicamente quando possível.

28. Argumentum ad auditores: Em se tratando de uma platéia não versada no assunto e que não vislumbra a inconsistência do argumento é possível vencer quando a objeção expõe o outro ao ridículo. Obter o riso dos presentes em geral significa ganhar a discussão.

29. Desvio ou digressão: Ao perceber que a razão acompanha o oponente, desviar-se do tema com insolência, esperando que o adversário perca-se no desvio. Curioso a forma sugerida pelo autor para suscitar o estratagema: “Sim, e o senhor também afirmou recentemente que...”, onde direciona o argumento à pessoa e não à preposição.

30. Argumentum ad verecundiam: Utiliza-se argumentos de autoridades contra o adversário, dependendo do seu grau de conhecimento da questão. Dependendo do opositor vários estratagemas podem ser usados: citações em grego ou latim, preconceitos comuns, opiniões gerais, filósofos, etc.

31. Proposição complicada: Tentar descreditar a proposição alheia pela impossibilidade de compreendê-la. Só pode ser utilizado quando se tem prestígio maior junto ao ouvinte que o adversário, trata-se de mais uma forma de fazer valer a própria autoridade. Antídoto é culpar-se pela própria exposição e então de forma a esfregar-lhe na cara a proposição, ainda que de maneira cortês.

32. Rotular a proposição em categoria odiada: Reduzir a afirmação a uma categoria reconhecidamente odiada, como v.g., o nazismo, para impor sobre ela conhecida carga opositiva ainda que isso não seja preciso, refutando-a liminarmente.

33. “Isso pode ser verdadeiro na teoria, mas não na prática”: Esse sofisma é muito utilizado por quem não sabe discutir os fundamentos da proposição, atacando suas conseqüências. Mas é certo que se trata de um sofisma, porque não deve haver dissociação entre “prática” e “teoria”.

34. Impedir a esquiva: Quando o adversário tenta esquivar-se do estabelecimento de uma premissa argumentativa devemos perceber se ele o faz por ser a fraqueza do seu ponto de vista e insistir no ponto. Sinais disso são o silêncio, a resposta em forma de pergunta, etc.

35. Contradição entre objetivo e argumento: Quando se sabe que o adversário detém objetivo determinado é possível usar essa informação para atacar sua proposição sobre algo, demonstrando-lhe a contradição entre ambos. Isso pode também ser utilizado para colocar os objetivos da platéia contra o adversário. Aquilo que parece desvantajoso geralmente parece absurdo ao intelecto. É chamado argumentum ab utili.

36. Discurso incompreensível: Assustar o adversário com palavreado complicado e sem sentido, servindo contra aqueles que são conscientes da própria debilidade. “Normalmente o homem, ao escutar apenas palavras, acredita que também deve haver nelas algo para pensar” (Fausto, Goethe).

37. Refutar o mau argumento: Se alguém tem razão, mas escolhe um mau argumento para defendê-la, é passível de ter a proposição aniquilada pela refutação do que foi apresentado. Para isso é preciso manter a discussão no nível ad hominem.

38. Partir para o ataque: Ao perceber que o objeto da contenda está perdido, tornar-se indelicado e insultante. O caráter ofensivo é retirar o foco do objeto perdido, apelando para as mazelas da vaidade humana.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Alguns Aspectos das Class Actions

I. Por que?

Foi nos EUA que a litigância em grupo tomou pela primeira vez proporções relevantes. A expansão do mecanismo foi significativa abrangendo diversas categorias de direitos assim como questões centrais da política americana.
O assunto é importante para o estudo das ações coletivas no Brasil, onde sua a utilização é mais recente, ainda está em expansão, explorando seus limites no direito nacional.
A análise da experiência americana é fundamental para a exploração desses limites, ultrapassando meras análises legislativas, buscando paradigmas válidos para seu desenvolvimento.
Em comparação com outros regimes existentes, as class actions são a principal inspiração do modelo brasileiro, fonte de onde tentou adaptar o tratamento da matéria, tornando especialmente importante o estudo de uma melhor compreensão desse modelo.

II. Regime das class actions americanas:

a) Breve nota sobre a organização judiciária nos EUA

1. Após a expulsão de diversos outros países europeus com colônias na América do Norte, a Grã-Bretanha passou a dominar o cenário político daquele local. Com isso, influenciou a população já estabelecida com seu direito e estrutura organizacional.
Apesar de não se interessar pelos aspectos jurídicos das colônias, passou a impor que as decisões pudessem ser revistas pelo King’s Privy Council, não em caráter específico como corte de apelação mas para determinar regras gerais de cunho jurídico e político em rígido controle do poder de governo da metrópole.
Assim, as colônias que tinham sistemas judiciários diferentes, aproximaram seus institutos de maneira cada vez mais próximos do modelo inglês, particularmente do sistema judiciário common law.
Mesmo diante dessa tendência universal entre as colônias, não se podia considerá-las como um conjunto homogêneo nem em aspectos jurídicos, por vezes totalmente diferenciadas umas das outras, nem do aspecto políticos, pois tinham relações mais fortes com a metrópole do que entre si.
Em geral, o sistema das colônias americanas era uma cópia simplificada daquele concebido na Grã-Bretanha. Essa tônica de relativa independência entre os estados sempre foi preservada tanto após a revolução americana quanto no presente em que cada Estado da Federação sua autonomia jurídica e judiciária, bem como próprio procedimento.

2. O sistema inglês adotado pelos EUA era complexo, pois jamais tinha sido exposto a uma sistematização, nem tinha sido concebido de forma racional. O sistema baseado em teoria política medieval e em sua maior parte baseado em decisões de casos concretos tinha como principais instituições as segunites:
i. Dois regimes judiciários co-existentes e distintos common law e equity.
ii. Sistema de procedimento de writ na common law.
iii. Uso de júri para determinar questões de fato.
iv. Adversary system para defesa das pretensões em juízo
Common law é regime judiciário peculiar dos países cujo direito originário de cultura anglo-saxônica. Designa direito originado das próprias cortes, emanado da autoridade do próprio rei. Era declarado e executado pelas cortes de justiça da antiga Inglaterra (King’s Bench, Common Pleads, Exchequer) originariamente para impedir a violência entre os comuns (trespass) e posteriormente para resolver as questões jurídicas subjacentes à violência. À medida que crescia a autoridade do rei em relação aos outros nobres esse regime passava a ter cada vez maior amplitude.
Era também lei de abrangência territorial geral em concorrência e oposição aos tribunais locais e demais órgãos judiciários existentes (coexistiam com essas cortes não podendo sofrer oposição das mesmas).
A evolução na função jurisdicional sob tal regime chegou até mesmo a restringir o poder do próprio Estado (governantes), sendo efetiva fonte original de direitos.
Common law writ procedure era estabelecido rigidamente para o acesso às cortes desse sistema judiciário. O writ era uma ordem inicial proferida pelas cortes de justiça para cessar o estado de violência e apurar a justiça no caso concreto em julgamento: oportunizava a defesa e após proferia decisão sobre o caso. O procedimento era estrito e designado conforme o caso concreto sendo usado conforme o a situação material a ser tutelada. Havia divisão consagrada no direito de origem anglo-saxônica do juízo de fato ser de competência do júri e de direito do magistrado.
Equity, por outro lado, é regime judiciário que existiu nos países anglo-saxônicos no mesmo plano na common law. Na história, trata-se da quarta corte de justiça a existir na Inglaterra (Court of Chancery, Corte do Chanceler), justamente em razão da limitação da competência das cortes anteriores.
O procedimento da equity era muito mais flexível e similar aos procedimentos civis modernos, próximos ao que se entende por cognição ordinária, colhendo inquisitivamente as provas trazidas pelas partes e expedindo ao final seu decree que punha termo ao julgamento. Apenas excepcionalmente em caso de descrédito das provas apresentadas o procedimento seria encaminhado às cortes de common law para verificação pelo júri, de resto o juízo era restrito ao discovery do juiz designado.
Não fosse somente isso o juiz de equity detém poderes discricionários em relação aos da common law, não limitados aos limites da lei ou dos precedentes.
Para obter o juízo de equity, dever-se-ia demonstrar a não aplicabilidade da common law na inexistência de competência ou efetividade no procedimento daquela. Mas na prática, ambas estenderam suas competências para áreas de intercessão.
A competição entre esses regimes judiciários concorrentes acabou como meramente burocrática, sendo determinada pelas características dos procedimentos oferecidos por cada um. O procedimento da common law foi exportado para as colônias americanas, havendo algumas que também copiaram o regime da equity.

3. Os procedimentos entre os dois regimes concorrentes tinham as seguintes características:
Common law: No fim do século XVIII, os procedimentos desse regime judiciário eram muito diferentes do procedimento da equity. Necessitava de alegações iniciais estilizadas, os juízos de fato eram elaborados por júri e os juízos de direito pelos juizes designados, com repercussões sérias em matéria de prova. A justiça era extraída desse juízo duplo. Originariamente não admitia qualquer revisão, mas esse posicionamento evoluiu no sentido de admitir a revisão do procedimento, mas não do mérito. No procedimento americano moderno, admite-se a devolução integral da matéria, existindo apenas restrição sobre os fatos que são determinados pelo júri.
Equity: Parecido com os procedimentos modernos. Não recorre a um júri para fazer o juízo de fato. Inicia com a narrativa do requerente, resposta do requerido, produção probatória e sentença sobre o caso. Algumas diferenças devem ser marcadas para o procedimento probatório em paralelo com antigas restrições que eram feitas tais como impossibilidade dos depoimentos das partes serem levados em conta como prova, sendo a colheita de provas conduzida para obter a confissão das partes.

4. Nos EUA do século XIX, ao contrário da Inglaterra em que o chanceler era autoridade que não admitia revisão de seus atos, a equity passou admitir tais revisões.
Além de procedimentos diferentes é importante notar que o direito material seguido por ambas as cortes era distinto o que causava muita confusão na organização judiciária britânica. Quando passados à América, a maneira pela qual foram recepcionados é que divergiu bastante entre as colônias, gerando falta de uniformidade da organização judiciária, pois cada uma adotava de maneira diferente o anacrônico sistema total ou parcialmente, mesmo depois da declaração de independência.
O adversary system é uma das principais características do processo americano e permeava tais procedimentos: consiste em doutrina que prescreve ser a responsabilidade da apresentação e defesa do caso às partes e seus representantes.
São muitas a repercussões que derivam dessa premissa: o papel do juiz no processo é mais passivo em contraste com o juiz do direito romano civilista cujo papel é mais investigativo; a perspectiva do modelo probatório é totalmente diferente também na medida em que a determinação da verdade consiste muito mais em escolha de uma das versões apresentadas
A história americana não conservou integralmente esse sistema, apesar de tê-lo levado em conta de diversas maneiras. Uma reforma nos regimes judiciários no início do século XIX para sua simplificação se processou sob a rubrica code pleading. A reforma é decorrente da necessidade de dar racionalidade ao procedimento (nos moldes do cientificismo iluminista), acessibilidade ao cidadão comum e sanando disfuncionalidade do sistema anterior.
Feita através de uma reforma legislativa, as principais mudanças do movimento foram:
1) Abolição do sistema dual, exceto pela preservação do júri;
2) Requerimentos iniciais foram libertos de formas estritas para um modelo narrativo mais simples;
3) Todos os pedidos sobre o mesmo caso poderiam ser cumulados no mesmo processo o que era vedado pelo regime anterior pela forma e competência do sistema dual;
4) Abolição da regra de que partes não poderiam ser testemunhas;
5) Procedimentos probatórios foram unificados;
6) Manutenção do júri para caso de danos e disputas sobre imóveis.
Apesar disso nem todos os problemas foram resolvidos, diante da cultura tecnicista do judiciário por se continuar a querer a vantagem procedimental, entre muitas outras complicações advindas da interpretação do referido código. Assim o sistema do code pleading desembocaram na adoção das Federal Rules of Civil Procedure, em 1938.
Essa lei, FRCP, foi motivada pela dificuldade imposta pela aplicação do anacrônico regime com resquícios da conformação judiciária dual à conformação da Justiça americana no século XX. A necessidade de uniformização dos procedimentos federais e atualização do processo levaram o Congresso a outorgar a elaboração dessas regras à Suprema Corte, a qual se desincumbiu do ônus de fazê-lo, apresentando como resultado um sistema que adotou os princípios gerais da equity (rompimento com restrições estritas à discovery, relaxamento dos requisitos para postulação em juízo, flexibilização das regras de litisconsórcio e desenvolvimento sistêmico das class actions).

b) Histórico básico das class actions.

1. Paralelamente a esse desenvolvimento do processo civil é de se notar também o desenvolvimento do regime das class actions.
As origens do instituto são muito ligadas ao tema da legitimidade ad causam, considerando que uma de suas características mais distintivas é a quebra do paradigma estrito do exercício do direito por seu titular, noção clássica do liberalismo.
A possibilidade de se agir em nome de classe ou grupo remonta à sociedade inglesa estamental da idade média quando a noção de grupo e de representação de interesses por representantes era natural ao contrário da noção liberal.
Apesar de indícios dessa noção de litigância em grupo ser identificado ainda no século XVI no bill of peace, a idéia somente toma proporções modernas e relevantes já nos EUA do século XIX provinda da dificuldade de tutelar direitos, ainda individuais.

2. Primeiro sinal de ressonância nos EUA da matéria foi percebido em julgamento proferido pelo Justice J. Story em West v. Randall ao afirmar que não seria exigível o litisconsórcio quando esse se tornasse opressivo e inconveniente para a defesa do direito, admitindo-se a litigância em grupo, mas registrando a não vinculação daqueles que não participaram da ação em relação à sentença. Trata-se de superação da forma para viabilização da tutela jurisdicional adequada.
O precedente da litigância e alguns poucos casos sobre a matéria levaram a Suprema Corte ainda no sistema de equity em 1842 a editar a primeira regra sobre class actions, a chamada equty rule 48, que repetiu a simplicidade das primeiras formulações.
A situação levada ao conhecimento da corte no caso Smith v. Swormstedt, entretanto, mudou essa situação, quando a Suprema Corte passou a aceitar a representação por poucos de um grupo mais numeroso passando a reconhecer a vinculação dos ausentes (caso de missionários que faziam fundo de aposentadoria que foi negado a parte dos beneficiários sulistas quando de tensão gerada entre Estados).

3. A equity rule 38 substituiu tal regra em 1912, com a modificação obtida pela jurisprudência incorporada. Sob a égide dessa lei reafirmou-se o precedente anterior, com o entendimento consignado no caso Supreme Tribe of Ben Hur v. Cauble, no qual ficaram vinculados ao pronunciamento judicial todos os membros de uma organização sobre o controle dos fundos da mesma apesar de não terem sido parte da ação. Afirmou-se: “Se o pronunciamento judicial precisa ser efetivo e julgamentos conflitantes precisam ser evitados, toda classe deve estar vinculada pela decisão”.
Até esse momento, a concepção de class actions era voltada para a supressão do número de litígios, impedir multiplicação de demandas iguais sendo fator de redução dos processos e acesso à justiça de demandas inviáveis que nunca seriam formuladas sozinhas.

4. A adoção da FRCP modificou e melhorou muito a regra das class actions ao incorporar orientações jurisprudenciais e sistematizar suas regras. Corretamente, percebeu a rule 23 que as class actions mereceriam um tratamento diferenciado conforme a natureza do interesse tutelado.
A classificação da regra de 1938 pretendeu regulamentar uma categoria processual aplicável especialmente a direitos individuais como técnica para produzir efeitos coletivos onde a intensidade da relação entre um e outro. Essa a razão pela qual Vigoriti vislumbrou nas class actions americanas uma característica eminentemente privada.
Daí a criação três diferentes espécies de ações:
i) True ou Autênticas: Natureza indivisível do interesse e do direito é comum a todos os membros do grupo. Ex. Ações movidas por sócios de limitadas para tutela do bem comum; Ações movidas por agentes cujo interesse pelo direito é secundário, quando aquele que detém o interesse primário não ajuíza ação.
ii) Hybrid ou Híbrida: Feita para tutelar situações em que o interesse por determinado bem jurídico é compartilhado em relação ao mesmo objeto. Ex. Acionista que ajuíza ação para obter seguro contra fraude, cujo prêmio é pago por fundo que confere limitada indenização para cada segurado, quando a empresa é acometida ao ilícito.
iii) Spourious ou Espúria: Direitos individuais múltiplas decorrentes de situações de fato ou direito, o que permitiria a utilização do remédio processual comum, apesar do objeto não ser indivisível. Dessa maneira, apesar de facultar o common releif para situações absolutamente idênticas, não vinculava aqueles que não participassem do processo.
Esse modelo fracassou por diversos motivos práticos que foram da dificuldade no isolamento de categorias e à falta de vinculação nas spourious class actions.
Foi na constância desse modelo que as class actions eclodiram e tiveram período de maior destaque estendendo sua aplicação a demandas de caráter público, ensejando necessidade de regulamentação mais detalhada.

c) Class actions contemporâneas: FRCP de 1966.

Em 1966 a rule 23 das FRCP foram substancialmente alteradas de maneira a conferir às class actions regulamentação mais clara e precisa para o fenômeno de crescente utilização desse processo. Tal emenda vem sendo ajustada ao longo do tempo para cada vez mais controlar determinados aspectos desse fenômeno.
As últimas modificações foram feitas em 2005 através da lei chamada Class Action Fairness Act (CAFA), o qual teve o intuito de moralizar cada vez mais o uso dessas ações e corrigindo distorções maléficas ao seu uso.

i) Estrutura da regra: dividida em 6 partes.
Alínea “a”: Requisitos de admissibilidade das class actions;
Alínea “b”: Espécies legais de class actions com modelos processuais distintos;
Alínea “c”: Certificação e prosseguimento da ação como coletiva;
Alínea “d”: Poderes diferenciados para o juiz;
Alínea “e”: Extinção do processo e transação;
Alínea “f”: Recurso contra negativa de certificação.

ii) Requisitos de admissibilidade das class actions (alínea “a”):

ii.1 – Classe identificável: requisito implícito de significação normalmente ampla, não restrita aos entendimentos econômico, político ou cultural do termo, mas de acordo com o que for adequado para o caso. A classe tem de ser determinável especialmente por conta dos efeitos que o processo ensejará para o caso, especialmente para a ação de danos (class action for damages, por conta da notificação que ensejará o estabelecimento do contraditório).

ii.2 – Numerosidade e inconveniência do litisconsórcio (Numerosity): O tamanho da classe deve ser suficiente para tomar impraticável a reunião de todos os litigantes. Número não é limitado, mas deve ser sopesado com outros aspectos como a dispersão geográfica, diminuto valor patrimonial, natureza e complexidade das causas, entre outros que sejam capazes de tornar inconveniente a litigância individual.

ii.3 – Questões comuns de fato e direito (commonality): que sejam comuns à classe e relevante para a causa. Deve ser conjugado e avaliado junto aos requisitos da class action for damages (prevalência da questão comum e superioridade do método coletivo sobre o individual de processo). Ex. É o mesmo fato que causa discriminação que atinge de diferentes maneiras os membros de uma classe (civil rights class action).

ii.4 – Identidade de pretensões ou defesas entre representante e classe representada (tipicality) deve ser tratado em conjunto com o requisito da Representatividade adequada (adequacy of representation). Tratamento em conjunto proposto por Friedenthal, Kay e Miller: Trata-se de requisito onde se deve verificar se o representante formula ação compatível com os interesses da classe e se ele satisfaz o requisito do standing ou seja se é tem interesse direto na causa fazendo parte efetivamente da classe (injury in fact e personal stake).
A representatividade deve ser considerada como medida de caráter excepcional porquanto é privilegiado a defesa dos próprios direitos, sendo essa medida uma forma de viabilizar direitos e não substituir a tutela individual.
Os critérios de aferição da responsabilidade adequada não recaem apenas sobre as partes, mas também sobre os advogados, visando realizar controle técnico e ético sobre a causa.
Ex. Mason v. Garris e Anderson v. City of Albany, julgados que estipulam como referencias para a adequada representação ou a autorização dos membros ou mesmo a autoridade que o representante exerce sobre a classe.
Ex. Caso LaMar v. H&B Novelty & Co., caso sobre cobrança de dívidas em patamar de agiotagem em que se entendeu por subdividir classe para que somente fosse processado em conjunto aqueles enganados pelo mesmo agiota (1973, 9th. Circuit).
Regra 23.2, incluída em 1966, sobre Unincorporated Associations amplia a possibilidade dessas associações não oficiais representarem determinada classe.
Recentemente houve decisão da Suprema Corte muito controvertida em relação a representatividade no caso Lujan v. Defenders of Wildlife em que não se admitiu a certificação da ação por aduzir que faz parte do quesito que o representante seja parte direta da causa sofrendo ele também o injury in fact. Disso discordo, por ser interpretação dissonante dos preceitos de adequação da tutela coletiva.

iii) Espécies de class actions (alínea “b”):

iii.1 – Espécie b.1 que é subdividida.

b.1.A – Destina-se a evitar julgamentos dissonantes para membros de determinada classe evitando que sentenças imponham àquele que litiga contra a classe condutas incompatíveis.
Diz-se que se equipara ao litisconsórcio facultativo, tanto em lei quanto doutrina (Aluísio Mendes). Se é assim, devem lhes ser impostos os requisitos de prevalência e superioridade das class actions for damages.
Entretanto, essa espécie não pode albergar indenizações, apenas tutelas mandamentais e declaratórias.
Ex. Exação tributária que é contestada por uns em relação a sua validade e por outros em relação à alíquota majorada: no direito americano isso deve se transformar em class action para que não sejam diversos os julgamentos.
Essa espécie é similar a tutela da direitos coletivos e difusos pela indivisibilidade do objeto litigioso.

b.1.B – Caso em que não se pode evitar que o ausente seja afetado pelo processo, dispondo de seus direitos pessoais apesar de atender a classe como um todo.
Ex. Tradicionalmente é aquela ação movida por indivíduos contra um fundo insuficiente para satisfazer todas elas (Membros de uma classe que perseguem compensação de fundo de recursos limitados, sendo que se forem distribuídas em ações individuais, com base na precedência dos processos, o patrimônio será insuficiente para atender a todos. É caso de ações expostas ao princípio par conditio creditorum como a liquidação de sociedade e no rateio falimentar).
Ex. Seria o caso de demanda de sócio acionista para anular decisões de assembléia.
Cássio Scarpinella lembra que esse tipo era entendido por Liebman como espécies de ações concorrentes.

iii.2 – Espécie b.2: Quando alguém atua ou recusa-se a atuar de modo uniforme perante a classe, ou seja, quando trata-se de maneira não isonômica, pode ter contra si requerido tutela mandamental ou declaratória que encerre o assunto. Não compreende condenação, própria do item b.3.
Ex. Principais exemplos desse caso passam pela efetivação de direitos civis, como discriminação racial, religiosa ou sexual, discriminação de preços (abuso do poder econômico) ou venda casada.

* Os tipos acima (b.1.A; b.1.B; b.2) são todos classificados como necessárias (mandatory), porque são ações somente processadas de maneira coletiva e assim vinculam todos os que estejam incluídos na situação tutelada.

iii.3 – Espécie b.3 – Chamada class actions for damages. Caso em que as questões de fato e direito comuns predominam sobre as questões individuais para a resolução da causa, ainda que o vínculo de cada um seja autônomo em relação ao objeto (predominância). Para caracterização dessa espécie é ainda necessário que a solução de utilização do método do direito processual coletivo seja superior ao processo individual no julgamento justo da causa (superioridade).
No direito brasileiro esses requisitos também existem ainda que não expressos nas leis que instituem o processo coletivo. Além de exigir a origem comum do direito e homogeneidade e prevalência do interesse comum na causa para caracterização da ação (art. 81, III do CDC), também exige a superioridade do mecanismo da tutela coletiva sobre a individual identificada na condição da ação do interesse de agir e no postulado da efetividade do processo presentes no sistema brasileiro: o primeiro indica que só se pode usar de medida judicial quando adequada ao caso, o segundo indica que ela deve ser suficiente para afastar o conflito.
Deve ser decidido nesta ação:
a) Interesse do grupo em controlar individualmente a ação;
b) Extensão e natureza do litígio;
c) Conveniência de concentrar o debate em determinado tribunal;
d) Sobre eventuais dificuldades no processamento.
Neste caso, por se tratar de direito individual, há o direito do titular em demandar sozinho pelo mesmo retirando-se da ação e não ficando sujeito ao seu resultado positivo ou negativo (right to opt out).

iv) Notificação (notice): A notificação é devida no caso da class action for damages, prevista na rule 23.b.3. Scapinella relata que a jurisprudência vacila nesse particular, havendo quem exija fair notice em todas as class actions apesar da literalidade do artigo. Trata-se de mecanismo de comunicação da classe sobre o processamento da ação coletiva em que seu direito individual está sendo julgado.
Mas qual o objetivo: resguardar o direito individual ou mecanismo de verificação da representatividade? A Suprema Corte no caso Eisen v. Carlisle & Jacquelin decidiu pela primeira opção, demonstrando o caráter individual do sistema americano apesar de ser uma decisão permeada por outras questões de fundo. Se há adequada representação, o requisito da fair notice tem de ser aplicado com parcimônia, de maneira a não inviabilizar a ação coletiva.

v) Competência: O CAFA proporcionou a modificação de questões referentes a competência visando conferir mais legitimidade e funcionalidade ao sistema das class actions. As modificações foram no sentido de promover a competência da justiça federal diante da multiplicidade de Estados atingidos pelo dano. Esse critério já existia na experiência americana, mas os critérios para sua caracterização foram suavizados, contrariando a orientação da Suprema Corte sobre a matéria. Assim, vislumbrou-se retirar os casos de juízes estaduais eleitos e mais propensos a certificar class actions para seus eleitores e porque visavam impedir que tais juízos atingissem para padrões nacionais buscando maior legitimidade para a decisão. A estrutura da norma indica que somente casos realmente de interesse do estado membro seja julgado pelo judiciário estadual.

vi) Certificação (certification): Identificando os requisitos legais para a ação os tribunais podem admiti-las como coletivas ou não, sem prejuízo do julgamento da questão individual. Para essa tarefa, valem-se de grau elevado de discricionariedade, típico da defining function do juiz para esse tipo de ação.
A discricionariedade acaba levando as decisões sobre o que será certificado ou não para o campo político, como relata a professora Ada P. Grinover quando fala do caso Castano v. American Tobacco Co. em que além de questões técnicas, não foi certificado por pressões políticas de todo um setor produtivo.
Scarpinella relata que não havia possibilidade de recurso da decisão denegatória de certificação, situação modificada pela CAFA, apesar do recurso ser de recebimento discricionário pela Corte de Apelação.

vii) Mecanismo de fluid class recovery: Quando o custo para execução de quantias suplantar o custo a ser recebido ou quando o pagamento de danos sofridos não esgotar a responsabilidade do devedor conforme a decisão. Trata-se de uma compensação para a classe como um todo em detrimento da indenização individual.
Ex. Cartéis de controle de preços pode sofrer esse tipo de execução obrigando-os a minorar os preços em determinado período de tempo.

viii) Acordos: Tem de ser controlados pelo judiciário no sentido de impedir abusos às classes e extensão dos acordos. Para que seja aceito, tem de ensejar fair notice mesmo para ações já certificadas. Aqui se manifesta o direito de opt in do componente da classe para o acordo, caso concorde com o mesmo.

ix) Outras regras: A distorção no uso das class actions motivaram outras alterações no sentido de preservar o instituto de seu mal uso. Assim é que se instituiu o opt out de acordos e diversas regras relacionadas a escolha e remuneração do advogado. O intuito é impedir que advogados sejam os principais interessados na ação coletiva, promovendo maior fiscalização dos integrantes da classe e controlando as quantias resultantes do trabalho do advogado.

III. Referências bibliográficas:

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GRINOVER, Ada Pellegrini. Da class actions for damages à ação de classe brasileira: os requisitos de admissibilidade. Revista Forense, vol. 352.

HAZARD, Geoffrey C.; TARUFFO, Michelle. American civil procedure. New Haven: Yale, 1993, p. 1/28).

KLONOFF, Robert H.; BILICH, Edward K. M. Class acticons and other multi-part litigation. St. Paul: Thomson/West, 2004.

MARCUS, Richard L.; Sherman, Edward F. Complex litigation. St. Paul: West Group, 1998.

MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: RT, 2002.

SALLES, Carlos Alberto de. Ações coletivas: premissas para comparação com o sistema jurídico norte-americano in Processos coletivos e tutela ambiental. Santos: Editora Universitária Leopoldianum, 2006.

SHERMAN, Edward F. Class actions after the class action fairness act of 2005 in Tulane Law Review, vol 80, 2005-2006.

VIGORITI, Vincenzo. Interessi coletivi e processo – la legitimazione ad agire. Milano. Giuffrè, 1979.