terça-feira, 18 de agosto de 2009

A Arbitragem vista pelo Judiciário

A tradição jurídica brasileira historicamente não reserva espaço para pesquisas empíricas, condenando a produção jurídica a especulações que nem sempre fazem sentido, nem muito menos atingem os objetivos a que se propõem. Isso é verificado especialmente no direito processual, cujas reformas em diversos momentos, conforme assinala Barbosa Moreira, careceram de maiores estudos da realidade.
É truísmo dizer que as análises empíricas são fundamentais para orientar a produção jurídica. Somente através dela é possível constatar os problemas que serão abordados pelo direito, assim como seu estudo contribui decisivamente na proposição das soluções destes. Trata-se de aporte qualitativo, o qual se afigura imprescindível para um estudo profícuo e responsável dos mecanismos jurídicos.
Ainda hoje, pouquíssimos estudos dessa natureza são desenvolvidos no país. Certamente em quantidade insuficiente a demanda de modernização das instituições nacionais.
A Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e o Comitê Brasileiro de Arbitragem são exceções desse panorama. Tais instituições acabam de divulgar os resultados de uma pesquisa que problematiza a relação entre Judiciário e arbitragem, verificando a acolhida estatal de um instituto promissor diante da configuração da sociedade contemporânea. Os interessados podem conferir o resultado no seguinte sítio eletrônico http://www.cbar.org.br/bib_pesquisa_fgv_cbar.html
Meus cumprimentos às instituições envolvidas, pela seriedade do trabalho e à contribuição que representa para um estudo mais detalhado da matéria no país. Cumprimento ainda todos os pesquisadores envolvidos na pessoa de Daniela Monteiro Gabbay, minha conterrânea, com quem compartilhei diversas salas de aula desde a escola até a faculdade, a quem tenho a honra e o prazer de chamar de amiga.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Fábula


L'Âne portant des reliques
(Jean de la Fontaine)

Un Baudet, chargé de reliques,
S'imagina qu'on l'adorait.
Dans ce penser il se carrait,
Recevant comme siens l'Encens et les Cantiques.
Quelqu'un vit l'erreur, et lui dit:
“Maître Baudet, ôtez-vous de l'esprit
Une vanité si folle.
Ce n'est pas vous, c'est l'Idole
A qui cet honneur se rend,
Et que la gloire en est due.”
D'un Magistrat ignorant
C'est la robe qu'on salue.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Mérito e Objeto do Processo segundo Dinamarco

1. Apesar de ser uma palavra corrente no vocabulário processualista, há uma confusão na legislação e na doutrina sobre o que chamar de mérito. A definição do que é mérito é importante para o processo porque noções fundamentais a ele dependem desse conceito: [i] diferenciar mérito e questão de mérito; [ii] diferenciação da matéria processual para determinar ordem e momento de apreciação; [iii] decisão sobre o mérito projeta eficácia para fora do processo e obtém autoridade da coisa julgada, enquanto as questões a ele referentes.

2. Considerando a inércia como princípio tradicional e legitimador da jurisdição, é necessário sempre um ato inicial proveniente das partes (autor) que fixam os limites da prestação jurisdicional a ser exercida. A demanda (ou ação) é o veículo pelo qual se leva a juízo a pretensão de emissão de um provimento jurisdicional (objeto imediato) a um bem da vida (objeto mediato), reconhecendo-se 2 planos distintos do ordenamento jurídico: processual e substancial.

3. Nessa definição estão caracterizados os 3 elementos identificadores da demanda: partes; pedido; causa de pedir. Importantes para delimitar o provimento a ser emitido indicando: natureza, objeto e extensão, delimitam seus fundamentos e indicam alcance subjetivo desejado. É a demanda que define o objeto do processo não sendo lícito ao juiz alterá-lo. Por isso o objeto do processo é importante: ponto de partida para análise e decisão. O processo gira em torno dele.

4. Objeto do processo é aquilo que se coloca diante do juiz para julgamento (res in iudicium deducta). Serve para delimitar provimento; identificar litispendência e coisa julgada, prejudicialidade, declaratória incidental, alteração e cúmulo de demandas.
Infere-se que objeto é mérito da causa: a busca desses conceitos revelam-se a mesma busca.

5. Há 3 noções principais do que considerar mérito desenvolvida pelos estudiosos do direito processual

[a] Mérito como questão de mérito: segundo o pensamento de Carnelutti, questões são dúvidas quanto a uma razão; questões de mérito são pontos controvertidos, dúvidas referentes ao mérito e não o mérito em si. São analisadas na fundamentação da sentença, enquanto o mérito é analisado no dispositivo. No processo há muitas questões (substanciais ou processuais; fato ou direito), mas não resumem o mérito que se refere a prestação jurisdicional específica referente a um bem da vida, adequadamente vinculada na demanda. As questões não são abrangidas pela coisa julgada – são apenas fundamentos sobre os quais se pode ter outra opinião posteriormente; o mérito é – pois é a pretensão que tem de ser decidida. Do contrário, a coisa julgada abrangeria também os fundamentos da sentença proferindo soluções definitivas para interpretação do direito e determinação da verdade, o que se nega pelo art. 469 do CPC.

[b] Mérito como demanda (Chiovenda): vários autores associam o mérito à demanda inicial proposta em juízo, com a idéia de que é de mérito a sentença que sobre ela se manifesta (parece que é isso que quis dizer o 269, I). Esse termo se confunde com pedido e ação. Dinamarco não crê que demanda seja o mérito. É apenas o veículo de algo externo ao processo é anterior a ele. É o veículo da pretensão do demandante. Dizer que o mérito é a demanda significa dar maior peso ao continente do que ao conteúdo. Pedido é apenas o elemento formal. É a pretensão que seria o elemento substancial de relevância social.

[c] Mérito como lide tout court: Mérito ou objeto do processo seria a relação jurídica substancial controvertida em juízo. Não se pode afirmar isso porque é o processo que deve averiguar se a relação jurídica existe ou não (levaria também a conclusão de que o processo de execução não tem objeto – com o que Dinamarco discorda).

6. O CPC faz relação entre lide e mérito com inspiração no conceito de Carnelutti, o que não foi feito pelo italiano. Buzaid tentou misturar Carnelutti e Liebman para quem lide é o fundo da questão, o que equivaleria a dizer, o mérito da causa, mas este jamais aceitou o conceito de lide tal como Carnelutti sempre procurando dar-lhe feição jurídica (mérito: pedidos [forma] + lide ou conflito [substância] = conflito moldado pelas partes). Critica a Liebman: a seguir esse conceito não haveria objeto sem contraposição de pretensões. No caso de revelia ou reconhecimento do pedido, por exemplo, não haveria objeto. Lide só presta para justificar a jurisdição didaticamente.

7. A palavra mérito provém de exigir, cobrar (mesma origem da palavra meretriz, verbo latino: mereo ou merere), nesse caso o exame de um juiz sobre a pretensão que apresenta. Pretensão, segundo Carnelutti, é exigência de subordinação do interesse alheio a um interesse próprio. Demanda é veículo da pretensão, mas não lhe atribui qualquer significado. É a noção mais aceita de ser relacionada com mérito na ciência processual brasileira (provimento processual + bem da vida material).

8. No processo existem duas ordens (binômio) de questões: mérito e pressupostos de admissibilidade (processuais e condições da ação – considerando a categoria ampla). Essas questões são objeto do conhecimento do juiz e não se confundem com o mérito em si, que delimita a atividade jurisdicional. Poderia fazer menção a cognição vertical e horizontal?

9. Se mérito é pretensão, pode se dizer que há mérito na fase de execução e na fase recursal?
Execução: Não há julgamento de mérito na execução, mas há mérito que pode ser discutido nas ações incidentes. O que impede a discussão é a natureza atribuída ao título executivo, daí a necessidade de discussão em processos auxiliares. Julgamento do processo auxiliar extinguiria a execução ao fulminar o titulo executivo.
Recursos: Podem ou não ter o mesmo mérito/pretensão que o mérito da causa: agravos nunca têm o mesmo; apelação pode ter ou não.

10. Centrada na ação, a tradição italiana e brasileira não trata muito do conceito de objeto do processo, pois se centra na ação e parte dessa noção para identificar o conceito. Os alemães ao contrário têm o objeto do processo como uma espécie de pólo metodológico ao redor do qual se constrói o direito processual.

11. Os alemães indicam a existência de uma pretensão de direto processual (ZPO, p. 147) de exigir a tutela do estado e pretensão de direito material (BGB, p. 194). Mantém-se, entretanto, os objetos mediato e imediato da pretensão.
A pretensão incide decisivamente sobre determinados institutos jurídicos: [i] cumulação de demandas; [ii] modificação da demanda; [iii] litispendência; [iv] coisa julgada material. Além disso, a importância se dá para todo o procedimento sendo fundamento de uma séria de formas e fenômenos.
Há 3 diferentes correntes de pensamento para caracterizar a pretensão processual:
[i] pretensão como afirmação do direito material;
[ii] pretensão como fator exclusivamente processual;
[iii] pretensão como pedido.

12. Dinamarco defende a última corrente: pretensão como pedido, sem qualquer interferência do fundamento da demanda (estado de coisas).
Quem elaborou essa idéia foi Schwab. Mas ao projetar sobre os institutos que mais diretamente sofrem a influência do conceito, encontra dificuldade referente à coisa julgada material. Se o objeto do processo for só o pedido e não a causa de pedir a coisa julgada material teria efeito sobre toda e qualquer demanda sobre o mesmo objeto ainda que apoiado em fatos diferentes.
Dinamarco discorda: haveria uma confusão de Schwab entre coisa julgada e exceção da coisa julgada (que impede a repetição de causas decididas). Por isso ele afirmaria que o objeto não pode ser o pedido, pois isso faria que a coisa julgada atingisse outros pedidos idênticos. Na verdade o conceito de objeto é esse mesmo e é compatível com a coisa julgada que se limita ao pedido, a imutabilidade dos efeitos é que exige mais elementos para operar. Imuniza-se os efeitos da sentença para estabilizar a relação jurídica; impede-se o julgamento do mérito se concorrerem os elementos da ação.