sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Mérito e Objeto do Processo segundo Dinamarco

1. Apesar de ser uma palavra corrente no vocabulário processualista, há uma confusão na legislação e na doutrina sobre o que chamar de mérito. A definição do que é mérito é importante para o processo porque noções fundamentais a ele dependem desse conceito: [i] diferenciar mérito e questão de mérito; [ii] diferenciação da matéria processual para determinar ordem e momento de apreciação; [iii] decisão sobre o mérito projeta eficácia para fora do processo e obtém autoridade da coisa julgada, enquanto as questões a ele referentes.

2. Considerando a inércia como princípio tradicional e legitimador da jurisdição, é necessário sempre um ato inicial proveniente das partes (autor) que fixam os limites da prestação jurisdicional a ser exercida. A demanda (ou ação) é o veículo pelo qual se leva a juízo a pretensão de emissão de um provimento jurisdicional (objeto imediato) a um bem da vida (objeto mediato), reconhecendo-se 2 planos distintos do ordenamento jurídico: processual e substancial.

3. Nessa definição estão caracterizados os 3 elementos identificadores da demanda: partes; pedido; causa de pedir. Importantes para delimitar o provimento a ser emitido indicando: natureza, objeto e extensão, delimitam seus fundamentos e indicam alcance subjetivo desejado. É a demanda que define o objeto do processo não sendo lícito ao juiz alterá-lo. Por isso o objeto do processo é importante: ponto de partida para análise e decisão. O processo gira em torno dele.

4. Objeto do processo é aquilo que se coloca diante do juiz para julgamento (res in iudicium deducta). Serve para delimitar provimento; identificar litispendência e coisa julgada, prejudicialidade, declaratória incidental, alteração e cúmulo de demandas.
Infere-se que objeto é mérito da causa: a busca desses conceitos revelam-se a mesma busca.

5. Há 3 noções principais do que considerar mérito desenvolvida pelos estudiosos do direito processual

[a] Mérito como questão de mérito: segundo o pensamento de Carnelutti, questões são dúvidas quanto a uma razão; questões de mérito são pontos controvertidos, dúvidas referentes ao mérito e não o mérito em si. São analisadas na fundamentação da sentença, enquanto o mérito é analisado no dispositivo. No processo há muitas questões (substanciais ou processuais; fato ou direito), mas não resumem o mérito que se refere a prestação jurisdicional específica referente a um bem da vida, adequadamente vinculada na demanda. As questões não são abrangidas pela coisa julgada – são apenas fundamentos sobre os quais se pode ter outra opinião posteriormente; o mérito é – pois é a pretensão que tem de ser decidida. Do contrário, a coisa julgada abrangeria também os fundamentos da sentença proferindo soluções definitivas para interpretação do direito e determinação da verdade, o que se nega pelo art. 469 do CPC.

[b] Mérito como demanda (Chiovenda): vários autores associam o mérito à demanda inicial proposta em juízo, com a idéia de que é de mérito a sentença que sobre ela se manifesta (parece que é isso que quis dizer o 269, I). Esse termo se confunde com pedido e ação. Dinamarco não crê que demanda seja o mérito. É apenas o veículo de algo externo ao processo é anterior a ele. É o veículo da pretensão do demandante. Dizer que o mérito é a demanda significa dar maior peso ao continente do que ao conteúdo. Pedido é apenas o elemento formal. É a pretensão que seria o elemento substancial de relevância social.

[c] Mérito como lide tout court: Mérito ou objeto do processo seria a relação jurídica substancial controvertida em juízo. Não se pode afirmar isso porque é o processo que deve averiguar se a relação jurídica existe ou não (levaria também a conclusão de que o processo de execução não tem objeto – com o que Dinamarco discorda).

6. O CPC faz relação entre lide e mérito com inspiração no conceito de Carnelutti, o que não foi feito pelo italiano. Buzaid tentou misturar Carnelutti e Liebman para quem lide é o fundo da questão, o que equivaleria a dizer, o mérito da causa, mas este jamais aceitou o conceito de lide tal como Carnelutti sempre procurando dar-lhe feição jurídica (mérito: pedidos [forma] + lide ou conflito [substância] = conflito moldado pelas partes). Critica a Liebman: a seguir esse conceito não haveria objeto sem contraposição de pretensões. No caso de revelia ou reconhecimento do pedido, por exemplo, não haveria objeto. Lide só presta para justificar a jurisdição didaticamente.

7. A palavra mérito provém de exigir, cobrar (mesma origem da palavra meretriz, verbo latino: mereo ou merere), nesse caso o exame de um juiz sobre a pretensão que apresenta. Pretensão, segundo Carnelutti, é exigência de subordinação do interesse alheio a um interesse próprio. Demanda é veículo da pretensão, mas não lhe atribui qualquer significado. É a noção mais aceita de ser relacionada com mérito na ciência processual brasileira (provimento processual + bem da vida material).

8. No processo existem duas ordens (binômio) de questões: mérito e pressupostos de admissibilidade (processuais e condições da ação – considerando a categoria ampla). Essas questões são objeto do conhecimento do juiz e não se confundem com o mérito em si, que delimita a atividade jurisdicional. Poderia fazer menção a cognição vertical e horizontal?

9. Se mérito é pretensão, pode se dizer que há mérito na fase de execução e na fase recursal?
Execução: Não há julgamento de mérito na execução, mas há mérito que pode ser discutido nas ações incidentes. O que impede a discussão é a natureza atribuída ao título executivo, daí a necessidade de discussão em processos auxiliares. Julgamento do processo auxiliar extinguiria a execução ao fulminar o titulo executivo.
Recursos: Podem ou não ter o mesmo mérito/pretensão que o mérito da causa: agravos nunca têm o mesmo; apelação pode ter ou não.

10. Centrada na ação, a tradição italiana e brasileira não trata muito do conceito de objeto do processo, pois se centra na ação e parte dessa noção para identificar o conceito. Os alemães ao contrário têm o objeto do processo como uma espécie de pólo metodológico ao redor do qual se constrói o direito processual.

11. Os alemães indicam a existência de uma pretensão de direto processual (ZPO, p. 147) de exigir a tutela do estado e pretensão de direito material (BGB, p. 194). Mantém-se, entretanto, os objetos mediato e imediato da pretensão.
A pretensão incide decisivamente sobre determinados institutos jurídicos: [i] cumulação de demandas; [ii] modificação da demanda; [iii] litispendência; [iv] coisa julgada material. Além disso, a importância se dá para todo o procedimento sendo fundamento de uma séria de formas e fenômenos.
Há 3 diferentes correntes de pensamento para caracterizar a pretensão processual:
[i] pretensão como afirmação do direito material;
[ii] pretensão como fator exclusivamente processual;
[iii] pretensão como pedido.

12. Dinamarco defende a última corrente: pretensão como pedido, sem qualquer interferência do fundamento da demanda (estado de coisas).
Quem elaborou essa idéia foi Schwab. Mas ao projetar sobre os institutos que mais diretamente sofrem a influência do conceito, encontra dificuldade referente à coisa julgada material. Se o objeto do processo for só o pedido e não a causa de pedir a coisa julgada material teria efeito sobre toda e qualquer demanda sobre o mesmo objeto ainda que apoiado em fatos diferentes.
Dinamarco discorda: haveria uma confusão de Schwab entre coisa julgada e exceção da coisa julgada (que impede a repetição de causas decididas). Por isso ele afirmaria que o objeto não pode ser o pedido, pois isso faria que a coisa julgada atingisse outros pedidos idênticos. Na verdade o conceito de objeto é esse mesmo e é compatível com a coisa julgada que se limita ao pedido, a imutabilidade dos efeitos é que exige mais elementos para operar. Imuniza-se os efeitos da sentença para estabilizar a relação jurídica; impede-se o julgamento do mérito se concorrerem os elementos da ação.

2 comentários:

Anônimo disse...

Adorei o breve relato, muito útil para meu trabalho.

Anônimo disse...

Adorei também .
Além disso , Cândido Dinamarco é digno da maior admiração .