terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Sobre o Dever de Fundamentação das Decisões Judiciais


Há um jargão muito repetido nas decisões judiciárias brasileiras, preservado desde os juízos de primeiro grau até o Supremo Tribunal Federal, ao qual não se costuma dar a devida atenção. Diz-se: os juízes não são obrigados a responder questionário das partes ao julgar as causas que lhes são submetidas. Ao oferecerem razões concisas e coerentes para resolver uma questão jurídica terão cumprido seu papel, mesmo quando deixem de apreciar os argumentos suscitados pelos litigantes.

Note-se que não se cogita nesta oportunidade de discussões referentes correção das justificativas de fato e direito utilizadas nas decisões judiciais. Embora fundamental para uma perspectiva reflexiva da “aplicação” do direito, não são foco dessa análise. Trata-se, agora, apenas de verificar sobre quais argumentos os juízes devem se manifestar quando do desempenho de seu ofício. Mais especificamente: sobre a relação que as decisões devem ter com os pontos apresentados pelas partes quando da apresentação do caso em juízo.

O dever de fundamentação das decisões judiciais costuma ser interpretado pelos juízes de maneira restrita. Embora haja previsões dogmáticas a respeito do dever de fundamentação, estas são identificadas como cláusulas abertas, consignadas como admoestação ao exercício da atividade jurisdicional. Deixam de lado qualquer conteúdo descritivo acerca da fundamentação em si, restringindo-se a afirmar que esta deve estar presente em todas as decisões.

São bastante conhecidos os dispositivos legais apresentados para sustentar a violação do dever de fundamentação das decisões judiciais, utilizados por todos os advogados que tem seus argumentos ignorados pelo julgador. Na práxis forense nacional, costuma-se designar esta tese por “negativa de prestação jurisdicional”. São apresentados com bastante frequência o art. 93, IX da Constituição Federal, em que são apresentados dentre os princípios gerais da magistratura a publicidade dos julgamentos e a fundamentação das decisões sob pena de nulidade. São frequentes também o apelo à lei processual civil especificamente mencionados dispositivos localizados na seção referente aos poderes, deveres, responsabilidades e atos do juiz, art. 128, 131, 165, e ainda outro localizado dentre os requisitos da sentença, art. 458. Os artigos referentes a atuação do juiz são inseridos dentre regras básicas sobre como a aplicação do direito deve derivar da lei. Nesse sentido se afirma que as decisões devem observar os limites da lide propostos pelas partes (art. 128, lembrando o princípio dispositivo previsto ao art. 2º), devem atentar para todos os elementos de fato apresentados aos autos e ainda desenvolver atividade probatória se houver meios a disposição não explorados pelas partes e considerados indispensáveis para elucidação da causa (art. 131, que trata de modo sucinto do “livre convencimento” e traz consigo seus limites), e ainda a afirmação de que todas as decisões deverão ser fundamentadas, ainda que de modo conciso. A referência ao art. 458 apenas se refere a necessidade da sentença em reservar uma parte à fundamentação de fato e direito, como requisito essencial para sua validade.

Para os não acostumados com a tramitação dos processos judiciais pode parecer assustador, mas não é incomum o número de processos que chegam ao final da tramitação em segunda instância sem analisar seriamente qualquer dos argumentos apresentados pelas partes. São incontáveis os casos da prática em que argumentos de fato ou de direito são simplesmente não apreciados por mais centrais que sejam à questão submetida à apreciação judicial. Por menos importante que seja a causa para as partes, para a sociedade ou para o próprio Tribunal, não se pode deixar de discutir seriamente o que significa uma prestação jurisdicional adequada, sob pena de não conseguirmos distingui-la nem mesmo nos casos importantes.

A incompreensão do dever de fundamentação advém de argumentos tradicionais que insistem em margear o assunto, deixando de lado a natureza central do problema: a legitimação do poder jurisdicional derivada do potencial epistemológico do processo. O exercício da jurisdição é o exercício de um poder estatal para os quais os juízes não foram eleitos por voto. Dentre os controles aos quais estão submetidos, provavelmente o mais eficiente é a observância do direito à qual deve demonstrar publicamente e por meio de justificativas autorizadas. Tal controle somente funcionará adequadamente, respondendo a interpretações divergentes sobre os fatos, caso sua natureza dialética não seja suprimida.

Problemas jurídicos chegam ao Judiciário porque os envolvidos discordam sobre os fatos ocorridos e/ou sobre a aplicação do direito. Não obstante as discussões sobre a natureza da jurisdição (vide a discussão da processualística a respeito dos verbetes adversarial e inquisitório) que geram consequências sobre as regras de postulação (discussão a respeito do conteúdo da causa de pedir adotando teorias da substanciação ou individuação), dificilmente encontraremos quem disputará a necessidade dos juízes responderem às teses das partes a respeito da causa. O iura novit curia, tal como destaca Calmon de Passos, deve ser entendido como um facilitador da postulação, sendo possível ao juiz complementar ou substituir o entendimento jurídico apresentado pelas partes ao julgar a causa.[1] Evidentemente o juiz tem autonomia até mesmo para interpretar o direito de forma radicalmente diferente do que as partes propõem. Entretanto, jamais poderá ignorar as razões pelas quais postulam.

Nenhuma das formulações da restrição do dever de fundamentação discute qualquer desses aspectos. Fiz uma pesquisa rápida no sítio eletrônico do STF e não verifiquei qualquer desenvolvimento da tese de restrição dos deveres de fundamentação. Nas palavras do aposentado Min. Sepulveda Pertence, num dos posicionamentos mais citados da jurisprudência sobre o assunto, o dever de fundamentação “não exige o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas apresentadas pelas partes, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão; exige-se, apenas, que a decisão esteja motivada” (RE 140.370, 1ª T., 20/04/1993, DJ 21/05/1993). Diversos julgados foram apresentados desde então, sempre no mesmo sentido, tendo sido o posicionamento recentemente ratificado pelo Min. Gilmar Mendes, RG em QO em AIRE 791.292, 23/06/2010, DJ 13/08/2010.

Mesmo não havendo argumentos detidos a respeito da extensão do art. 93, IX da Constituição Federal, o entendimento se perpetua. Os precedentes se limitam a repetir a frase do Min. Pertence, sem analisar suas implicações para a legitimidade dos julgamentos. Do jeito que se apresenta, a restrição ao dever de fundamentação mais parece uma concessão à prática judiciária do que uma reflexão sobre a legitimidade do exercício do poder pelos juízes, objetivo primário da referida regra.

O problema assume proporções ainda mais dramáticas quando se observa que o espectro das decisões judiciais no Brasil está sendo ampliado ao se reconhecer mecanismos de oposição destas a sociedade como um todo. Os chamados processos objetivos não se restringem mais à Jurisdição Constitucional, ou a questões referentes a direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, pois cada vez mais se autoriza que os tribunais se manifestem de uma só vez a respeito de casos considerados semelhantes. Seja por características próprias das questões jurídicas absorvidas pelo Judiciário, seja pela intenção de obter isonomia e celeridade na resolução dos casos que lhes são submetidos, as manifestações judiciais tem sido cada vez mais direcionadas à sociedade como um todo. Nesse cenário de protagonismo judicial, mesmo diante dos desenvolvimentos de teoria processual, ainda há dificuldades em perceber a importância dos controles mínimos dessa atividade: escrutinar suficientemente os motivos pelos quais a decisão foi exarada.

Diante da justificação sucinta do posicionamento das cortes brasileiras referente ao dever de fundamentação, um cidadão benevolente somente poderia supor desenvolvimentos válidos para tal tese, imaginando possíveis argumentações em favor desta.

A mim ocorre que teses que sustentassem tais entendimentos teriam de se amparar necessária e ingenuamente em concepções fortes de verdade. Poderia o STF estar supondo que, ao decidir a questão de determinada maneira, estaria automaticamente descartando todas as outras, desde que a argumentação em favor de sua própria decisão seja forte o bastante para torná-la autônoma. Talvez se acreditarmos intensamente em teses como aquela que busca a compreensão do direito com base em argumentos de coerência sistêmica entre os dispositivos legais, poderíamos sustentar um único sentido para uma norma excluiria as outras possibilidades sem a necessidade de avaliá-las. Talvez se acreditarmos na existência da possibilidade epistemológica de verdades insofismáveis, poderíamos afirmar que quando essas condições estiverem presentes não sejam necessárias considerações outras a respeito de teses concorrentes. Mesmo que deixemos de lado as discussões filosóficas, é bastante difícil convir com tais perspectivas.

O processo judicial não é uma forma de investigação propícia a demandar certezas. O interesse antagônico de cada parte faz com que apresentem a causa de modo a beneficiar a si própria, enfatizando os argumentos de acordo com as perspectivas mais favoráveis a seus objetivos. Isso sem falar nas dificuldades naturais de reconstrução dos fatos e na complexidade das questões jurídicas submetidas. Não se trata de um terreno ideal para buscar verdades inquestionáveis, digamos assim. Enquanto as reconstruções de fato desafiam o judiciário a interpretar os meios de prova juntados aos autos e a construir decisões coerentes a partir dos mesmos, discussões jurídicas são desafios a construção de respostas coerentes com o ordenamento, dos princípios fundantes às regras específicas, e adequadas ao caso concreto, exigindo-se que a resposta proferida não seja apenas possível, mas preferencial em relação às demais possíveis.

Essas conclusões, além de razoavelmente capazes de serem aceitas por aqueles que observam o direito, são teoricamente respaldadas por estudos dogmáticos ou extradogmáticos do raciocínio jurídico. Incursões sobre o juízo de fato nas análises judiciais tomam como ponto de partida a impossibilidades destes em reclamar a verdade como elemento de legitimação, dando espaço a conceitos processuais obscuros como “verossimilhança”, utilizado para designar o objetivo da atividade instrutória. Da mesma maneira, a história mostra que a prática do raciocínio jurídico jamais foi puramente lógico-dedutiva conforme já se propôs. Raciocinar juridicamente sempre se referiu a oferecer razões para agir de tal ou qual maneira em face de um conjunto limitado de regras socialmente aceitas, no sentido de se conferir às mesmas entendimento convencional que prestigie valores consagrados. Evidentemente, ante tais características, o raciocínio ensejará sempre o concurso de discursos a respeito dos objetos analisados.[2]

É exatamente por tal compreensão das bases filosóficas do processo judicial se torna imprescindível redimensionar o entendimento vigente sobre o contraditório. O direito ao contraditório não significa apenas de apresentar teses a respeito de determinada questão fática ou jurídica submetidas ao tribunal. Contraditório tem de significar que essas teses serão efetivamente apreciadas, que o posicionamento das partes encontra eco nas decisões judiciais, que as partes e seus julgadores sejam interlocutores uns dos outros em direção a um entendimento mútuo que terá como resultado o exercício democrático do poder confirmado numa decisão legítima e racionalmente aceitável para aqueles a quem ela se dirige direta ou indiretamente. O processo judicial tem um papel epistemológico na obtenção da decisão que somente pode ser verificado se reconhecida sua natureza dialética, se reconhecida a importância da discussão para o advento da decisão.[3]

Conferir ao contraditório esse conteúdo não impõe ao Judiciário algo de irrealizável. Teses podem ser afastadas de modo sucinto, sendo dever dos magistrados se ocupar delas nem que seja para afirmar em poucas palavras o porquê de perderem a concorrência para a tese vencedora adotada na decisão. Por meio desse argumento é a natureza do processo que impõe tal compreensão de seu princípio mais básico.

Dogmaticamente, aqueles que buscam justificar a necessidade de consideração das razões apresentadas pelas partes se utilizam de argumentos positivos para justificar essa compreensão do dever de fundamentação. O Min. Marco Aurélio manifestou-se a favor da necessidade do juiz se manifestar a respeito dos argumentos veiculados pelas partes como algo inerente a entrega da prestação jurisdicional legítima, cujo fundamento legal atribui ao cânone do art. 5º, XXXV da Constituição Federal. Eis a ementa do acórdão de 1994, cuja decisão foi unanimemente acolhida:
“Judiciário. Acesso. Alcance. A garantia constitucional alusiva ao acesso ao Judiciário engloba a entrega da prestação jurisdicional de forma completa, emitindo o Estado-juiz entendimento explícito sobre as matérias de defesa vinculadas pelas partes. Nisto está a essência da norma inserta no inciso XXXV do artigo 5º da Carta da República.” (Recurso Extraordinário nº 172084/MG, 2ª T., p. 29/11/1994. DJ 03/03/1995).

Esse argumento centrado no dispositivo constitucional que prevê a inafastabilidade do poder jurisdicional tem desdobramentos importantes na legitimação democrática dessa atuação estatal. Acredito que o fundamento mais importante decorrente da argumentação centrada nos deveres do juiz é justamente o cuidado que se deve ter com a construção das decisões de modo que se torne racionalmente aceitável pelos litigantes e pela sociedade como um todo. Deveres são impostos para controlar atuação do agente público em determinado sentido. De qualquer ponto de vista que considere o papel legitimador da argumentação jurídica nas decisões judiciais, é fundamental exigir controle mais direcionado sobre poder que exerce o juiz como agente público, além daqueles relacionados com sua imparcialidade e a necessidade de apego ao direito positivo. A consideração das teses apresentadas pelas partes é o mínimo que deve ocorrer em relação à fundamentação das decisões judiciais, provendo testes de compreensão às certezas do indivíduo que exerce tal função, indicando o erro daquele para que se nega a tutela jurisdicional. Todos que partem do princípio de que a argumentação jurídica tem papel fundamental de legitimação da decisão jurídica não negarão essas assertivas.

Desta maneira, os argumentos em favor da tese da necessidade de consideração das manifestações das partes nas decisões judiciais, sejam de ordem epistemológica, sejam de ordem política, indicam mais exigências do que são admitidas pelo Judiciário brasileiro de nossos dias.

Cumpre destacar, por fim, que o projeto de CPC em tramitação no congresso nacional prevê alterações que tornam mais difícil ignorar que o dever de fundamentação das decisões judiciais exige a consideração da manifestação das partes.

Há dispositivo que desenvolve o conteúdo do contraditório em sentidos não usualmente reconhecidos na prática judicial brasileira. Impede-se que os órgãos judiciários decidam levando em consideração fundamentos fáticos ou jurídicos sobre os quais não se tenha oportunizado manifestação às partes. Com isso, veda-se não apenas decisões que desconsiderem a manifestação das partes, como também se impossibilita que as partes sejam surpreendidas por interpretações que não tiveram a oportunidade de debater. Tal compreensão do contraditório é diretamente debitaria da natureza dialética do raciocínio jurídico e do processo acima referidas.[4]

Não fosse apenas isso há outro dispositivo que trata dos termos em que deve ser empreendida a fundamentação jurídica nas decisões judiciais, complementando os dispositivos tradicionais a respeito dos requisitos da sentença. Incluiu-se uma lista não exaustiva de práticas a serem evitadas pelos juízes nas sentenças, sob pena nulidade por ausência de fundamentação. Dentre esses, consta expressamente a hipótese de “não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”.[5]

Embora tenha excelente potencial prático, tais soluções somente serão efetivas com uma percepção clara das necessidades de legitimação das decisões judiciais como principal preocupação daqueles que estudam o processo judicial, intimamente atrelada as características do raciocínio jurídico: é a perda desse elo o principal perigo a ser evitado pelos processualistas.




Notas:

[1] PASSOS, José Joaquim Calmon de. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III – arts. 270 a 331. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1983, p.529.

[2] Embora não seja o objetivo desse trabalho dirigir-se a natureza dialética do processo, remeto o leitor para às obras que tomam essa perspectiva dentro da processualística: GIULIANI, Alessandro. Prova (filosofia del diritto). Enciclopedia del diritto. Varese: Giuffrè, vol. XXXVII, 1988, p. 526 e seguintes; PICARDI, Nicola. Processo civile (dir. moderno). Enciclopedia del diritto. Varese: Giuffrè, vol. XXXVI, 1987, p. 101-118. Nessas abordagens, enfatiza-se que a modernidade tentou estruturar o direito de modo assimétrico, de modo que o órgão judiciário tomasse posição de primazia em relação as partes a partir de uma epistemologia científica não condizente com a natureza histórica do direito. Tal abordagem obscureceria a tradição dialética desse conhecimento, com impactos importantes na estruturação e compreensão do processo judicial. Os fundamentos dessa abordagem do direito processual é claramente inspirados nos estudos de Perelman e Tyteca, voltados a restaurar a natureza dialética do raciocínio jurídico a partir do que foi possível reconhecer claras consequências processuais. Cf. PERELMAN, Chaim; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado de argumentação jurídica: a nova retórica. 2ª. Ed. São Paulo, Martins Fontes, 2008. Outras perspectivas sobre argumentação jurídica oferecem perspectivas importantes sobre o processo judicial, especialmente a partir da ética do discurso, algo que deixaremos para desenvolver em outra oportunidade.

[3] A extensão do contraditório é abordada por Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, que reconhece a tal princípio conteúdo muito maior do que a mera participação formal das partes no processo. Embora não seja específico a respeito da necessidade do juiz se manifestar a respeito dos argumentos das partes, parte do pressuposto de que o processo é necessariamente dialético. Em face dessas características, defende uma ideia de contraditório que valorize um processo participativo e legítimo do ponto de vista epistemológico. Nesse sentido destacam-se 3 passagens do pensamento desse autor: 

[a] Quanto a natureza do processo: “O processo, fartamente influenciado pelas ideias eeexpressas na retórica e tópica aristotélica, era concebido e pensado como ars dissidendi e ars oponendi et ars respondendi, exigindo de maneira intrínseca uma paritária e recíproca regulamentação do diálogo judiciário. Dado que nas matérias objeto de disputa somente se poderia recorrer a probabilidade,  a dialética se apresentava, nesse contexto, como ciência que ex probabilibus procedit, a impor o recurso ao silogismo dialético. Na lógica do provável, implicada em tal concepção, a investigação da verdade não é o resultado de uma razão individual,  mas do esforço combinado das partes, revelando-se implícita uma atitude de tolerância em relação aos ‘pontos de vista’ do outro e o caráter de sociabilidade do saber. A dialética, lógica da opinião e do provável, intermedeia certamente o verdadeiro (raciocínio apodítico) e o certamente falso (raciocínio sofístico). No seu âmbito, incluem-se os procedimentos não demonstrativos, mas argumentativos, enquanto pressupõem o diálogo, a colaboração das partes numa situação controvertida, como no processo.” (p.2228-229)

[b] Quanto a atualidade dessa perspectiva: “Esse novo enfoque [referindo-se a recuperação da natureza dialética do processo], não por acaso, surge a partir dos anos cinquenta do século XX, momento em que amplamente se renovaram os estudos da lógica jurídica e se relativiza, com novas roupagens e ideias, o sentido problemático do direito, precisamente quando – já prenunciado o pós modernismo – mais agudos e prementes se tornavam os conflitos de valores mais imprecisos e elásticos os conceitos. Recupera-se, assim, o valor essencial do diálogo judicial na formação do juízo, fruto da colaboração e cooperação das partes com o órgão judicial e deste com as partes, segundos as regras formais do processo” (p. 231). 

[c] Quanto ao princípio do contraditório nessa perspectiva: “Dentro dessas coordenadas, o conteúdo mínimo do princípio do contraditório não se esgota na ciência bilateral dos atos do processo e na possibilidade de contradita-los, mas faz também depender a própria formação dos provimentos judiciais da efetiva participação das partes. Por isso, para que seja atendido esse mínimo, insta que cada uma das partes conheça as razões a argumentações expendidas pela outra, assim como os motivos e fundamentos que conduziram o órgão judicial a tomar determinada decisão, possibilitando-se sua manifestação a respeito em tempo adequado (seja mediante requerimentos, recursos, contraditas, etc.). Também se revela imprescindível abrir-se a cada uma das partes a possibilidade de participar do juízo de fato, tanto na indicação da prova quanto na sua formação, fator este último importante mesmo naquela determinada de ofício pelo órgão judicial. O mesmo se diga no concernente à formação do juízo de direito, nada obstante decorra dos poderes de ofício do órgão jurisdicional ou por imposição da regra iura novit curia, pois a parte não pode ser surpreendida por um novo enfoque jurídico de caráter essencial tomado como fundamento da decisão, sem ouvida dos contraditores.” (p.238). 

OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. A garantia do contraditório. In: Do formalismo no processo civil. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

[4] Art. 10. Em qualquer grau de jurisdição, o órgão jurisdicional não pode decidir com base em fundamento a respeito do qual não se tenha oportunizado manifestação das partes, ainda que se trate de matéria apreciável de ofício.

[5] Art. 499. São elementos essenciais da sentença:
I — o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;
II — os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III — o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.
Parágrafo 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I — se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II — empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III — invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV — não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V — se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI — deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
Parágrafo 2º No caso de colisão entre normas, o órgão jurisdicional deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada.
Parágrafo 3º A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.