quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Novo CPC: Início dos Debates

A maior preocupação contemporânea quanto ao Judiciário é sem qualquer dúvida a morosidade. Do observador leigo aos economistas, dos advogados aos juízes, dos estudantes aos professores, todos vêem nessa questão o maior desafio a ser enfrentado pelos instrumentos de justiça. Isso fica muito claro pela leitura de documentos governamentais como o “Pacto de Estado em Favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano”, o estudo do Ministério da Fazenda “Reformas Microeconômicas e Crescimento de Longo Prazo”, e estudo do Banco Central do Brasil, através de sua “Nota Técnica n. 35 – Sistema Judicial e Mercados de Crédito no Brasil”, dentre incontáveis outros.

É impossível que alguém minimamente versado sobre o assunto negue a importância da celeridade processual para o Judiciário de nossos dias, amparado nas mais diversas razões de natureza jurídica, econômica, sociológica, política, etc. Essa queixa é sentida muito claramente em qualquer camada da população, culminando com um descrédito na capacidade do Estado em decidir os assuntos que lhes são submetidos. É necessário que sejam direcionados programas de combate a essa distorção do serviço estatal, com conseqüências sociais devastadoras.

Entretanto, devo revelar meu incômodo sobre como essa questão vem sendo tratada. Para alguns, é somente através da reforma do processo que essa finalidade será alcançada. Sem dúvida há instrumentos processuais não atualizados com as novidades informáticas ou dispensáveis num contexto de hipertrofia, mas isso não significa que o processo deve dispensar um debate sobre o potencial de legitimidade que deve prover aos seus instrumentos. Incomoda o fato dos processualistas estarem deixando essa noção de legitimidade em segundo plano. Prova disso é que a produção acadêmica brasileira em direito processual em momento algum dialoga com teorias sobre a argumentação jurídica ou mesmo com elementos da razão prática que se ocupam das condições de racionalidade da decisão em discussões passíveis de transferência ao próprio processo judicial.

Essa visão parece se perpetuar não somente em trabalhos acadêmicos, mas também nos projetos de lei que visam reformular o direito processual no país. Foi o que observei na entrevista que o Presidente da Comissão de Reformulação do CPC, Ministro Luiz Fux, concedeu a um programa de televisão o qual você pode assistir clicando aqui. Nela o Ministro deixa transparecer a preponderância do discurso da celeridade, sem debater em qualquer aspecto a questão da legitimidade das decisões judiciais.

Pior do que isso, o Ministro deixa transparecer ao falar de “tribunais de vizinhança” que compartilha de uma noção de legitimidade perigosa, baseada na autoridade do julgador sobre aqueles que postulam julgamento. Ainda que não seja um comentário direto sobre a orientação que a legislação processual deve tomar, certamente reflete os pressupostos sobre os quais essa reforma se baseará. O processo e a decisão que dele decorre são temas umbilicalmente ligados a legitimação. No mínimo, essa noção tem de ser mais debatida para que se tome uma posição consciente sobre o assunto.

As leis processuais habitualmente são bastante debatidas pelos acadêmicos brasileiros e pelas instituições judiciárias, OAB e Ministério Público antes de serem levadas a votação no Legislativo. A história mostra que diversas legislações processuais saíram diretamente dos bancos acadêmicos ou dessas instituições. Acredito que seja assim também desta vez, já que tantos processualistas de renome fazem parte da comissão de planejamento desse novo CPC. Mas é preciso ampliar esse debate para além dos assuntos que consomem os processualistas.

A legitimação das decisões judiciais é um fator de democracia. Não se pode abrir mão dela seja qual for o contexto de análise. É preciso ampliar o debate sobre o processo, já que é parte fundamental da própria concepção de direito.