segunda-feira, 12 de maio de 2008

Objetivação das Discussões Judiciais

Ao ler a lei 11.672/2008 (abaixo transcrita), algo me ocorreu que gostaria de compartilhar e ouvir a comunidade jurídica a respeito. Enxergo nessa nova lei a confirmação de uma tendência que pode modificar em muito a aplicação do direito através do processo: a objetivação das discussões judiciais.

A lei estabelece que, no âmbito do STJ, os processos individuais que tem por objeto teses jurídicas idênticas podem ser julgados de uma única vez a partir de um ou mais casos que representem a questão submetida ao tribunal. No fundo isso significa que não é tão importante como uma pessoa apresenta seu caso ao Judiciário, apenas que esse analise os argumentos apresentados e decida a questão.

Essa forma de julgar é parecida com o mecanismo de controle concentrado de constitucionalidade no sentido de que se tenta criar um espaço público mais amplo das discussões jurídicas, ainda que considerada a diferença dos mecanismos de tutela (questões abstratas vs. questões concretas).

Normalmente, somente se analisa essas medidas da perspectiva da celeridade que podem acarretar aos tribunais. Mas a questão é muito mais profunda.

Há uma evidente repercussão política desse caminhar do processo brasileiro. Em minha opinião, considerando o conceito de liberdade individual depreendido do direito de ação e considerando a restrição feita ao corolário recursal, se está deixando o paradigma liberal clássico para passar a considerar mais abrangência no espaço público, segundo paradigmas liberais igualitários (Rawls/Dworkin) ou republicanos.

Isso não é mero dado acadêmico! Dizer que o direito de ação passa a se submeter a um controle pelo espaço público é muito mais do que imposição do número de processos, é conferir um papel maior e mais importante às instituições, que para isso precisam de esquemas de legitimação diferentes e mais elaborados que os atuais.

Nesse contexto, a legitimação do pronunciamento judicial não decorre mais exclusivamente da participação direta de todos aqueles que têm problemas em processos individuais, mas da apresentação de argumentos a serem submetidos ao escrutínio público.

É por isso que vemos as ações individualmente propostas sobre questões jurídicas idênticas serem sobrestadas e decididas sem um exame particular de cada argumentação. É por isso que são permitidas decisões contrárias ao STJ pelos tribunais locais, se argumentos novos argumentos relevantes à discussão pública são apresentados. O que importa não é mais a participação de cada um, mas o que se acrescenta à discussão pública.

Esse aspecto normalmente ignorado pelos juristas é decisivo para os rumos da aplicação do direito no Brasil, pois tem um potencial de conseqüências enorme em diversos outros mecanismos processuais, como às ações coletivas.

Se a objetivação das discussões judiciais é presente por condições políticas favoráveis, as ações coletivas ganham enorme importância porque representam instrumento poderoso para cumprir esse desiderato. Através dela, é possível abrir diálogo com o poder público sobre diversas questões diferentes e de enorme repercussão, fazendo do Judiciário potente elemento de construção e reconstrução do direito.

Na atualidade, o direito brasileiro parece utilizar duas técnicas para a objetivação das discussões jurídicas: valorização do precedente para questões concretas e a discussão em tese de questões abstratas. Acredito que a técnica processual coletiva também faz parte desse quadro, apesar de um tanto negligenciada porque não compreendida nesses termos.

Que vocês acham?

LEI Nº 11.672, DE 8 MAIO DE 2008.

Acresce o art. 543-C à Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, estabelecendo o procedimento para o julgamento de recursos repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA: Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o A Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 543-C:

"Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo.

§ 1o Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça.

§ 2o Não adotada a providência descrita no § 1o deste artigo, o relator no Superior Tribunal de Justiça, ao identificar que sobre a controvérsia já existe jurisprudência dominante ou que a matéria já está afeta ao colegiado, poderá determinar a suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida.

§ 3o O relator poderá solicitar informações, a serem prestadas no prazo de quinze dias, aos tribunais federais ou estaduais a respeito da controvérsia.

§ 4o O relator, conforme dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça e considerando a relevância da matéria, poderá admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia.

§ 5o Recebidas as informações e, se for o caso, após cumprido o disposto no § 4o deste artigo, terá vista o Ministério Público pelo prazo de quinze dias.

§ 6o Transcorrido o prazo para o Ministério Público e remetida cópia do relatório aos demais Ministros, o processo será incluído em pauta na seção ou na Corte Especial, devendo ser julgado com preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.

§ 7o Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na origem:

I - terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou

II - serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça.

§ 8o Na hipótese prevista no inciso II do § 7o deste artigo, mantida a decisão divergente pelo tribunal de origem, far-se-á o exame de admissibilidade do recurso especial.

§ 9o O Superior Tribunal de Justiça e os tribunais de segunda instância regulamentarão, no âmbito de suas competências, os procedimentos relativos ao processamento e julgamento do recurso especial nos casos previstos neste artigo."

Art. 2o Aplica-se o disposto nesta Lei aos recursos já interpostos por ocasião da sua entrada em vigor.

Art. 3o Esta Lei entra em vigor 90 (noventa) dias após a data de sua publicação.

Brasília, 8 de maio de 2008; 187o da Independência e 120o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Tarso Genro

8 comentários:

mc disse...

Oi, Dani!
Interessante seu ponto de vista, mas ouso discordar.
Você disse que "No fundo isso significa que não é tão importante como uma pessoa apresenta seu caso ao Judiciário, apenas que esse analise os argumentos apresentados e decida a questão.". Logo em seguida, faz uma comparação com o controle concentrado e a indiscutível criação de espaço público para a discussão. Meus pontos: posso estar enganada, mas nas Adins os argumentos acabam se tornando irrelevantes. Tudo quanto possa ser aventado será discutido, ainda que trazido por um terceiro (amicus curiae, por exemplo). Tanto é assim que se uma lei for declarada constitucional, você não vai poder ajuizar outras adins com base em outros fundamentos, vai? Não vai (até onde eu sei). Pouco importa a causa de pedir (em sua amplitude máxima). Agora...nos seus Resps, tudo importa. Importam os argumentos que você levantou naquela causa de pedir específica e importa sua participação individual na formação das questões. Enquanto o espaço de discussão da Adin é aberto, amplo, democrático (vide o amicus que acabei de citar), no STJ não será. Ou será, como você levantou? Onde você vislumbrou isso, ou melhor, de onde tirou isso? (é uma dúvida).

Beijos muitos, e volte logo pra Sampa!!!!!!!!!!

DANIEL COUTINHO DA SILVEIRA disse...

Carolzinha!
Em primeiro lugar te agradeço a leitura dessas minhas linhas e o comentário. Eu gosto muito de conversar sobre esses assuntos e ouvir a opinião das pessoas, ainda mais tão abalizadas e inteligentes como as tuas. Isso não é puxa-saquismo!
Quanto ao teu comentário, se não discordasse não seria você eheheh! Deixa eu tentar esclarecer um pouco a idéia para ver se concordas um pouco mais. De início é necessário dizer que to pensando alto, não vi isso escrito em lugar nenhum. O que mais se aproximou disso foi o meu ídolo Owen Fiss eheheh.
1. A objetivação das discussões judiciais seria uma tendência que estou notando nas mudanças legislativas no Brasil. Normalmente são apresentadas como meros mecanismos de celeridade, mas não se está considerando o impacto que essas alterações tem na legitimação do processo.
2. Tradicionalmente, como todos sabemos, o processo se legitima pela participação individual identificada nos direitos individuais de ação e contraditório. Esse eixo tem sido modificado na medida em que pessoas passam a ser atingidas por decisões judiciais, mesmo quando não participam do processo de produção delas.
3. Os exemplos que usei podem dar uma idéia desse percurso. Foi com esse propósito que comparei a ADIn e o RE e o REsp. Em ambos os casos, como se vê da recente lei do REsp e na repercussão geral do RE, cada vez mais a participação individual perde importância para o processo. Como na ADIn, os recursos da instancia especial estão cada vez mais legitimados por argumentos e não participação. Isso fica claro quando somente se admitem recursos por amostragem, quando julgam teses e não peças, tanto no controle difuso e concentrado.
4. Entretanto, é claro que esses processos não são iguais e guardam peculiaridades, mas a conformação da legitimação que propus não fica invalidada pelas diferenças que restam.
5. A ação coletiva, o julgamento de ações repetitivas, para citar alguns instrumentos novos, prosseguem nessa mesma direção de legitimidade pelos argumentos e não pela participação.
Certamente, muito ainda há para se falar nisso. Mas acredito nessa proposição. Para invalidá-la seria necessário demonstrar que apesar dos novos institutos, não se altera em qualquer instância a participação individual. Pelo que eu disse, rejeito essa alternativa.
Que você acha? A legitimação pela participação não mudou? Por que? É lícito discordar!
Grande beijo! To de volta pro segundo semestre!

André disse...

Fale, Daniel.
Com todas as licenças possíveis, para eventuais erros e impropriedades (rs), estou aqui pra comentar um pouco esse teu último post. Gostei desde que o li no e-mail do Escritório e, principalmente, porque acompanhei o processamento do PLC 117 que culminou nessa alteração do 543-C, CPC.
Concordo integralmente contigo quando dizes que essas mudanças recentes no processo têm vindo por uma finalidade, em regra, estritamente procedimental, isto é, para celerizar ritos, o processamento de recursos, etc., muito embora a implementação de tais modificações desencadeie impactos mais substanciais do que possa parecer ao legislador e, também, a quem não se disponha à análise mais acurada dessa tendência de objetivação das discussões.
O que me incomoda, entretanto, e nem toca o mérito processualístico dessa discussão, é o espírito que ensejou a maioria dessas mudanças, o qual está muito distante do processo, do jurisdicionado e do Direito.
Esclarecendo: tome-se a notícia veiculada no site do STJ, outorgando ao novel dispositivo o título de "carta de alforria do Judiciário", como se o fim do instrumento processual fosse o Poder, a instituição, celebrando-se uma modificação que desafogará as cortes superiores (nesse ponto, incluo a RE no RExt, com umas ressalvas que espero lembrar de escrever abaixo), e não a modernização ou adaptação do processo às demandas de massa, por uma preocupação - que seria muito mais legítima - com o particular e seu patrimônio jurídico constantemente violado.
Obviamente que, mesmo que não tomadas com esta finalidade, tais mudanças vão resultar nesse fortalecimento do processo de massa, mas me questiono: até que ponto o Judiciário nacional merece todo esse "alívio" em detrimento de interesses particulares (o Didier fala de “brigade vizinhos´, em tom sarcástico, esquecendo-se, talvez, que é com o vizinho que nos relacionamos diariamente)?
Já podes perceber que penso essas mudanças estritamente como alívio ao Judiciário e não como melhora do processo. Vejo, sempre este quadro: freqüentemente, esses interesses particulares não atingem o importe de algo que possa (ou 'mereça') ser discutido em abstrato e, retomando a RE no RExt, podem decorrer de um patrimônio assegurado Constitucionalmente (direta, e não reflexamente) sem, contudo, transcender a esfera individual necessária à subida da discussão ao Supremo.
Colocando estas "exceções" (que serão a regra!) no panorama do Judiciário brasileiro que, COM CERTEZA, utilizará as recentes mudanças para furtar-se à análise de casos e mais casos, beneficiando, talvez, ao jurisdicionado em alguns casos, mas, sempre, a si enquanto redução de pendências na Instituição, tenho como prejudicial essa alteração no REsp (e, também, a RE no RExt, mesmo sem entrar nas questões mais peculiares a ela, como o papel do Supremo, e etc.) , pois vejo um interesse ilegítimo nas alterações realizados no Código Processual.
Cara, deve ter muita coisa sem sentido no que escrevi, até porque ficou longo o comentário (hehe), mas estava há um bom tempo querendo escrever a respeito e todos que vi comentando o assunto fazem loas às mudanças, talvez porque esperadas há um bom tempo, sem, contudo (e humildemente penso eu), lembrar que ainda não são muitos os bons membros do Judiciário que possam, idoneamente, utilizar os novos recursos, e não em seu próprio proveito, enquanto algo que lhes poupe trabalho.
Abraços!

DANIEL COUTINHO DA SILVEIRA disse...

Caro André!

Obrigado pelo comentário muitíssimo coerente e inteligente. Meus sinceros parabéns por discutir nesse nível de análise do direito processual! Peço que comentes sempre, pois é esse o intuito desse espaço.

Primeiramente: não faço amém para as mudanças legislativas. Elas têm sido pensadas apenas de um único prisma. Nem mesmo a doutrina (pelo menos a maior parte) tem considerado o que representa essas alterações na perspectiva da legitimidade da tutela jurisdicional. Concordamos nesse aspecto.

É importante considerar, entretanto, que não chegamos nesse ponto da noite para o dia e que as mudanças são respostas para um problema sério no Brasil. Nos dias de hoje, temos um faz-de-conta de processo judicial no Brasil. Fingimos que resolve alguma coisa, que é tolerável esperar 15 anos para obter trânsito em julgado, damos a sensação que no país não há respeito ao direito, dentre várias outras repercussões econômicas, políticas e sociais.

Impossível dissociar isso do processo, que detém mecanismos que são inviáveis em nossos dias. Repare que o CPC de ’73, por exemplo, foi concebido com uma carga de legitimação da tutela jurisdicional muito forte, sempre pedindo intimações pessoais, recursos e mais recursos, cuidados excessivos na execução, etc. Sempre privilegiando a participação do indivíduo nas discussões judiciais.

Temos que reconhecer que já estamos muito distantes do jurisdicionado e do direito ao negarmos a tutela efetiva. O que temos é de trabalhar para que sejam criadas alternativas que atuem considerando esses aspectos de nossa sociedade desigual.

A tensão entre celeridade e legitimidade da prestação jurisdicional dão o tom das discussões correntes. O processo como concebido é fator preponderante para a lentidão da Jurisdição, mas mexer demasiadamente em seus mecanismos apenas com o propósito de acelerá-lo importa na diminuição da sua legitimidade. O que fazer? No Brasil, estamos premidos pela situação. Acredito que se deve tentar ao máximo criar um processo que atenda às necessidades do problema brasileiro.

Minha proposta é entender as modificações legislativas como uma mudança de paradigma de legitimidade. Nossa idéia de legitimidade é extremamente ligada com o paradigma do liberalismo clássico. Só para você entender, se eu te perguntasse se o direito de ação pode ser restringido em nome do bem comum, no mínimo hesitamos, achamos estranho. Entendemos que a participação individual é necessária questionamos esse entendimento.

Esse esquema de legitimação em si mesmo não é ruim. Mas, em nossa conjuntura, levou a uma situação de crise crônica da prestação jurisdicional no Brasil, da qual não conseguimos sair com a forma tradicional de pensar. E todas as modificações para solucionar a lentidão processual esbarram nesses problemas.

Uma das saídas que vêm sendo propostas é alteração desse paradigma, propondo-se que as questões sejam cada vez mais discutidas de maneira objetiva, ou seja, cada vez menos centrada na participação individual e cada vez mais centrada nos argumentos, viabilizando julgamento extensivo a grandes números de processos, a questões de interesse coletivo.

Para se propor um esquema de legitimidade, não é necessário recorrer apenas ao esquema liberal clássico em que todos são irrestritamente livres mesmo que isso sacrifique necessidades coletivas. Acredito que em certa medida é possível e no nosso caso desejável que isso ocorra para viabilizar, efetivar as próprias garantias individuais. Devemos buscar outros paradigmas na filosofia política que possam embasar nossa visão, que sejam compatíveis com o direito brasileiro. Talvez mesmo o liberalismo igualitário ou o republicanismo sejam capazes de sustentar essa proposta, na medida em que propõem uma liberdade que considere as necessidades sociais.

Aliás, não é só para resolver os problemas da Jurisdição no Brasil que tais abordagens servem. Muito pelo contrário! Elas refletem uma postura mais adequada ao que se postula no mundo moderno nas mais diversas questões, principalmente quando comparado ao liberalismo clássico.

Considerando as leis citadas no texto, parece que o direito brasileiro cada vez mais considera viável essa proposta, ainda que inconscientemente (a julgar pelas completa ausência de discussão desses aspectos).

Como você viu no texto, não acho que esse caminho afaste o Judiciário do jurisdicionado ou do direito mais do que já está afastado. Ao contrário, é possível vislumbrar nela uma alternativa para a crise, desde que seja compreendido nos termos que expliquei.

Abraços!

Anônimo disse...

Caro Daniel,

Desde que soube de seu blog queria postar um comentário, mas confesso que não tinha tido tempo para fazê-lo. Hoje, além do encontrar tempo, foi impulsionado a emitir uma opinião sobre um tema que compartilho a mesma preocupação tua, o que aliás me deixa muito satisfeito, pois admiro muito seus posicionamentos, sempre lúcidos e de vanguarda.

Recentemente tenho observado esse processo por voce chamado de "objetivação das discussões judiciais", que sinceramente prefiro identificar como sendo a adoção de solução de conflitos com base em "precedentes judiciais". Eis aqui o dado novo no nosso sistema jurídico, que entendo vai muito além do direito processual, mas atinge sobretudo o direito processual.

A alteração é estrutural, e causa consequências que de certo modo até desconfiguram nossa matriz jurídica. Acredito que o que se passa com os novos requisitos (vide repercussão geral) e o julgamento modelo ou piloto que voce comenta na nova lei, são manifestações dessa mudança, mas devem ser entendidos num contexto bem amplo de alterações, tais como: súmula vinculante, súmula impeditiva de recursos, o julgamento antecipadíssimo da lide quando houver precidente no foro no mesmo sentido, e também uma nova interpretação do STF que tem entendido que a inconstitucionalidade reconhecida pelo STF em controle difuso teria o condão de fazer coisa julgada para todas as ações que tivessem idêntica causa de pedir.

A diferença que me parece existir entre todos esses mecanismos de criação de precedentes é que, em especial no RE e RESP não deve haver uma apreciação da situação concreta, fática, que motiva o recurso: são recursos que visam a uniformização da aplicação da lei federal ou constitucional àquela situação, portanto a análise do Tribunal recai exclusivamente sobre a matéria de direito. Assim sendo, não é escopo desses recursos "fazer justiça no caso concreto".

Digo isso para tentar justificar o que parece injustificável: que as alterações legislativas recentemente operadas, inclusive a ora comentada, em que pese tenham sido motivadas pela pretensão, talvez ilegítima, de diminuir o número de recursos a esses tribunais, na verdade parece retomar o seu curso natural, que é a apreciação exclusiva de matéria de direito e não fática.

É claro que essa alteração no sistema precisa ser acompanha de inovações que asseguram uma verdadeira "objetivação" do processo, permitindo-se que os sujeitos que não emboram não participem diretamente da discussão que gerou a criação do "precedente", pelo menos na qualidade de parte no sentido processual do termo, possam trazer contribuições também objetivas, no sentido de argumentação técnica, para legitimar a formação de uma verdadeira "regra jurídica" - aqui a grande novidade que vejo - que será aplicada a todos.

Nesse sentido, a admissão de amicus curiae no processo de elaboração de súmulas vinculantes no STF parece-me dar total guarida a esse entendimento.

Chegando ao ponto que voce bem destaca no seu texto, estou de pleno acordo que devemos buscar em Fish argumentos para sustentar as alterações que devam acompanhar as repercussões que advirão dessas inovações estruturais pelas quais passa o direito brasileiro - repito, não só o processo.

Tenho observado de perto essas alterações, e o assunto me interessa, por isso agradeço muito suas pertinentes observações, que somente corroboraram a admiração científica que sinto por voce,

Abração,

Camilo

DANIEL COUTINHO DA SILVEIRA disse...

Caro amigo Camilo,

Primeiramente destaco a honra de ter você comentando nesse meu cantinho. És um dos egressos da escola processual da São Francisco mais preparados que tive oportunidade de conhecer. Nossos debates sempre intensos e profundos me dão a certeza de que o direito processual e a experiência jurídica tem muito a evoluir, muito a colaborar para a justiça social em nosso país. Te agradeço o comentário e, de antemão, já convido para visitas regulares.

Quanto ao assunto em debate, acho que não discordamos no cerne da questão: há uma defasagem de legitimação não observada pelas alterações recentes processuais, aumentando o papel reservado ao Judiciário. Acredito ser correta também a identificação que comungamos dos novos instrumentos processuais que provocam mudanças no paradigma jurídico do direito brasileiro.

Chamo sua atenção apenas para o seguinte: a objetivação das discussões judiciais na verdade não nega a valorização do precedente. Na verdade a valorização do precedente é uma das formas de objetivação da discussão judicial, como tentei mostrar no texto, juntamente com as discussões em tese de questões abstratas. Não estou negando a importância de um fenômeno em detrimento do outro, na verdade estou tentando constatar que a valorização do precedente indica uma tendência mais ampla da objetivação.

A objetivação é algo que se verifica no plano da legitimação das decisões judiciais. Em princípio, não creio que seja apenas decorrente de um movimento em direção da valorização do precedente. Acho que se trata de uma síntese que emerge das famílias jurídicas da civil law e common law. No Brasil, essa síntese encontra proporções dramáticas na medida em que se choca com a realidade social de ausência do direito e bloqueio da pauta dos tribunais para apreciação e efetivação dos preceitos legais.

Tanto de uma perspectiva social quanto de um prisma teórico esse entendimento tem sustentação. Tentarei propor isso no âmbito desse blog em postagens subseqüentes. Gostei muito de você ter lembrado do amicus curiae, que é parte indispensável desse projeto de objetivação. Certamente postarei algo sobre isso.

Continuando o assunto leia minha postagem seguinte e por favor comente. Quero muito amadurecer essa idéia.

Grande abraço, Camilo! Mais uma vez: apareça sempre! Estarei de volta em Sampa para o 2º. semestre!

Daniel

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Olá,

Sou estudante de Direito do 5° ano da UFPA e, ao procurar a respeito do meu tema de tcc na internet, encontrei o seu blog...achei uma agradável coincidência, pois já ouvi falar muito sobre você aqui na Universidade.
Então, eu estava justamente pensando em escrever sobre esta temática da objetivação como reflexo da nova lei dos recursos repetitivos no âmbito do STJ, mas tenho encontrado dificuldades em pesquisar sobre o tema, pois pouquíssimos autores estão fazendo esta abordagem crítica...Se fosse possível, gostaria que me desse alguma indicação bibliográfica.

Meu e-mail é talitafialho@ig.com.br

Att,

Talita Fialho.