segunda-feira, 28 de julho de 2008

Segunda Fase da Reforma do Judiciário

Caríssimos,

Ando meio sem tempo para atualizar o blog. Para não deixar julho passar em branco, resolvi compartilhar com vocês uma notícia interessante, lançada pelo jornal Valor Econômico na internet (http://www.valoronline.com.br/valoreconomico/285/legislacaoetributos/legislacaoetributos/Reforma+do+Judiciario+tera+segunda+fase,08257,,86,5058408.html?highlight=08257&newsid=5058408&areaid=86&editionid=2058). Trata-se de reportagem que informa sobre s discussões correntes no Congresso Nacional sobre uma possível continuação da Reforma do Judiciário.

Os pontos em destaque não são novidade porque já vêm sendo suscitados há muito, de um jeito ou de outro. Não discordo da pauta, mas acho que os temas selecionados são tratados de maneira equivocada, especialmente a questão da celeridade, a qual tratei algumas postagens atrás a propósito de um comentário do amigo André Rocha.

Destaco também a leitura que vem sendo feita sobre o papel das ações coletivas no sistema jurídico brasileiro. Conforme relata a matéria, para alguns dos principais envolvidos nos estudos da Reforma, a ação coletiva visa exclusivamente a celeridade para o julgamento de processos judiciais.

Seguir esse caminho é perder o rumo do que a jurisdição coletiva significa. Tal mecanismo de tutela jurisdicional apenas acidentalmente proporciona celeridade. Seu objetivo principal é por ao alcance do Judiciário - e portanto do direito - discussões sobre a efetivação de direitos coletivos, o que ganha cada vez mais corpo na doutrina jurídica e na jurisprudência brasileira. Trata-se de tentar evitar um caminho que é necessário trilhar, nem que seja como tentativa.

Venho falando disso nas postagens anteriores. Vocês já conhecem minhas influências. Gostaria de ouvir quais as impressões de vocês sobre a Reforma do Judiciário e os caminhos que ela deveria seguir. Não precisa ser uma análise geral, mas para lembrar temas importantes que vocês gostariam de ver abrangidos dessa vez.

Participem! Debatamos!

Reforma do Judiciário terá segunda fase
Luiza de Carvalho, De São Paulo25/07/2008

Após quatro anos da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 45, o Ministério da Justiça começa a definir quais serão os temas abordados na segunda fase de implementação da reforma do Judiciário. O órgão estabeleceu um pacto com entidades que representam magistrados para elaborar a proposta da continuidade da reforma, que deve ser encaminhada até o fim do segundo semestre ao Congresso Nacional. Entre os assuntos abordados nessa etapa estão a elaboração de um plano para dar mais celeridade processual e fortalecer instituições públicas da Justiça. Também está em pauta a regulamentação do papel das comissões parlamentares de inquérito (CPIs) e o uso da chamada Lei do Grampo.
Desde que foi concluída a primeira etapa, tramita na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 358, que reúne o restante da reforma. No entanto, de acordo com o secretário especial da reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Rogério Favretto, o pacto agora estabelecido abrange muitos outros tópicos que não estão incluídos na PEC. "Enquanto a PEC tramita no Congresso, a estratégia é resgatar temas que ficaram pendentes na primeira fase", diz Favretto.
Na primeira reunião do Ministério da Justiça com as entidades de magistrados, esses assuntos foram divididos em três blocos. O primeiro está direcionado à elaboração de um conjunto de leis que possibilite mais celeridade processual em âmbito penal, civil e trabalhista. Para tratar deste último, foi designada uma comissão formada por magistrados da área para aperfeiçoar a fase de execução trabalhista e discutir as novas modalidades de relações de trabalho, como a prestação de serviços, que carecem de uma regulamentação mais específica. Um dos grandes projetos deste bloco é definir um rito especial de tramitação para as ações coletivas. Já existe um anteprojeto de um código para essas ações, mas, segundo Favretto, ele se mostrou inviável e alterações pontuais terão mais chance de êxito. "Acreditamos que as ações coletivas colaboram para reduzir a litigiosidade", diz Favretto.
No segundo bloco de assuntos do pacto estão alguns temas denominados "macrojudiciais" - por exemplo, a regulamentação do papel das CPIs e o uso da chamada Lei do Grampo, que permite a interceptação de comunicações telefônicas e informáticas. Outro ponto acolhido é o debate sobre a elaboração de uma lei de abuso de poder, que está sendo negociada com partidos políticos e o Supremo Tribunal Federal (STF).
Por fim, a proposta da segunda fase da reforma do Poder Judiciário abarca, em seu terceiro bloco, o fortalecimento de políticas públicas que não exijam a alteração de leis. As prioridades neste bloco são rediscutir o sistema penitenciário - principalmente no que tange às penas alternativas -, e o fortalecimento da defensoria pública. As entidades que representam magistrados devem apresentar suas sugestões ao Ministério da Justiça até o dia 8 de agosto.

11 comentários:

Anônimo disse...

Danzo, acredito que minha estréia aqui como comentarista no teu blog não poderia ser num post mais oportuno. O fato de a sistemática processual civil brasileira estar nessa situação crítica influencia diretamente em qualquer reformulação jurídica do país, mas infelizmente o problema não é assim tão fácil de ser resolvido. Na realidade da minha disciplina jurídica, Direito Empresarial, a questão chega a ser tão grave que muitos dos artíficios criados pela Lei 11.101/2005 ficam engessados em função da desordenada sistemática processual brasileira.
Espero apenas que as reformas não sejam precipitadas demais e acabem servindo de menos ao direito feito no dia-a-dia.
Bjão.

Anônimo disse...

Dani!! Que saudade!
Olha eu aqui dando meus pitacos de novo!
Escuta, fiquei um pouco chocada com esse comentário do Favretto: "Já existe um anteprojeto de um código para essas ações, mas, segundo Favretto, ele se mostrou inviável e alterações pontuais terão mais chance de êxito."
De onde, isso: INVIÁVEL?
Ele fala como se fosse um fato que o projeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos não vai sair do papel. É verdade?
Sobre suas considerações, acho que pela primeira vez concordo com absolutamente cada ponto analisado e contraponto estabelecido. Essa busca impensada pela "celeridade" me assusta. Já existem tantas normas e mecanismos à disposição que, se cumpridos e implementados, trariam a agilidade necessária, que chego a pensar que nossos juristas legisladores são míopes ou não querem ver. Perda de rumo, desvirtuação, todos os nomes (infelizmente) se aplicam.
Quando você volta pra Sampa?
Beijos, saudade,
mcb

DANIEL COUTINHO DA SILVEIRA disse...

Fale Ju!
Realmente a sistemática processual as vezes nos dá pistas dúbias sobre como entender institutos.
Mas acho que a lei de falências, apesar de inserida nessa realidade, é um problema especial e particular. Não havia na lei anterior qualquer apuro técnico no tratamento do processo, inventando institutos que em nada poderiam ser compreendidos na sistemática.
Dessa vez a coisa melhorou um pouco, mas não muito a ponto de ser um primor processual.
Analisando os institutos processuais da lei da falência, há algum em que vc tem particular dificuldades. Poderíamos discutir.
Bjao!
Daniel

DANIEL COUTINHO DA SILVEIRA disse...

Carolzinha!
Tambem to com saudade! Acho que nos veremos ao tratar os assuntos do NEMESC que salvo engano vc coordena, né? Vou ser colaborador nesse e na disciplina de novas tendências.
Com relação aos comentários, acho que realmente concordamos.
Esse comentário do Favretto não foi esclarecido pela reportagem. Deveria porque ele é um dos consultores mais importantes do Ministério da Justiça em relação a Reforma do Judiciário.
Suponho que as críticas são relacionadas a sedimentação que o projeto proporciona ao poder dos juízes no processo coletivo, cujo alcance é mais amplo, inclusive para assuntos relacionados a políticas públicas. Apesar disso já ser pacífico hoje na jurisprudência, não seria confortável para os poderes legislativo e executivo, que passariam a ser questionados de maneira mais incisiva pelo judiciário.
Acredito que essa posição existe e influenciará os legisladores que não querem abdicar de seus poderes. Vamos ver o que pesa mais na balança nesse caso.
Quanto a celeridade, vc tem toda a razão. O processo aplicado corretamente já oferece diversos mecanismos de celeridade sem atropelar direitos. O pior é que os argumentos em contrário não partem de qualquer estudo empírico que subsidiem as suas conclusões. Extirpam-se direitos com uma facilidade enorme, sem atentar para o deficit de legitimidade que gera ou pode gerar na decisão judicial.
Grande bjao! Chego aih no dia 17/08! Nos veremos em breve!

Anônimo disse...

Fala, Tche, como prometi, chegou a minha hora de entrar nesse bate papo.
Dentre os vários temas da reforma do Judiciário, sem dúvida a questão das ações coletivas é a que mais me chama atenção. O comentário do Favretto fala na diminuição da litigiosidade. Não concordo com o termo. O objetivo da ação coletiva não é diminuir litigiosidade, pelo contrário, é reunir num único processo toda litigiosidade pulverizada nas relações de massa e nos interesses de toda coletividade; como consequência, pode provocar a dimunição na quantidade de ações individuais, o que é diferente. Ou seja, a ação coletiva visa tutelar um direito que por sua natureza metaindividual demanda mecanismos apropriados. Esses reformistas continuam com a idéia de que melhorar a prestação jurisdicional significa apenas garantir um processo célere e impedir o acesso ao Judiciário pelo jurisdicionado. Fala-se em dimuir as ações individuais com o uso da ação coletiva, na grande quantidade de reclamações repetitivas nos juizados...ora, ninguém repara que essa enorme quantidade de ações é reflexo da mudança ocasionada com a recente descoberta da democracia. Saímos de um estado de litigiosidade contida para liberdade na busca de direitos e garantias recém conquistados. O brasileiro começa a ter consciência dos direitos que herdou com a CF/88 e luta no Judiciário para efetivá-los. Em resumo, o que quero dizer é: adaptar os institutos processuais à nova realidade é válido e obrigatório, mas tolher direitos do cidadão sob o pretexto de celeridade é um absurdo. Abs, meu amigo, até a próxima!! LNR

DANIEL COUTINHO DA SILVEIRA disse...

Grande Tche!

Finalmente! Já tava ansioso por seus comentários no blog. Venha sempre participar, porque de nossas discussões sempre saem coisas boas.

Subscrevo quase tudo que você disse.

Há realmente uma grande discussão sobre qual a função das ações coletivas. Sou o primeiro a querer estudar a parte realmente espinhosa do assunto que é a proteção de direitos difusos e coletivos em sentido estrito. Mas há uma discussão importante que encontra amparo doutrinário sobre a função das ações coletivas em relação aos direitos individuais homogêneos, que daria ao Favretto, nalguma perspectiva, embasamento.

Para alguns doutrinadores o direito individual homogêneo seria mera aglutinação de direitos individuais. Nessa perspectiva seria instrumento para conferir eficiência à administração da justiça e celeridade do processo.

A doutrina americana também confere às ações coletivas a finalidade de eficiência, apesar de não referir direitos individuais homogêneos. Lembro bem que eles analisam o caso para verificar se é melhor julgar a causa individual ou coletivamente, num procedimento que chamam de certificação. Aprovam a continuação da ação coletiva de acordo com a eficiência da prestação jurisdicional, independentemente da questão ser individual, mas passível de decisão coletiva, ou coletiva em sentido estrito. Sobre esse assunto poderias consultar um dos livros mais citados pelos doutrinadores brasileiros do processo civil americano que é o "Civil Procedure" dos autores Friedenthal, Miller e Sexton e também o livro sobre Class Actions do professor Gidi. Ambos referem essa faceta do instituto tal como concebido nos EUA.

Vejo que sua crítica se baseia no conceito de litigiosidade contida do prof. Watanabe, muito bem lembrado. Também concordo com sua análise da história recente do direito brasileiro, associando a explosão de demandas ao advento da democracia. Por outro lado, poderíamos ser generosos com o entrevistado e tomar o termo "redução de litigiosidade" como redução da existência de processos judiciais.

Não sou contra a utilização de ações coletivas com esse fundamento. A ação coletiva é uma técnica processual que pode servir a administração da justiça desde que não atropele os direitos individuais.

Minha restrição é simplificar o uso das ações coletivas a esse propósito em desabono a direitos legítimos. Suspeito que a suposta inviabilidade do projeto de código de processos coletivos ressaltada por Favretto é justamente nesse sentido, de explicitar o poder que o Judiciário tem de, por exemplo, fazer os demais poderes da república adequarem suas políticas aos direitos coletivos. Apesar disso já ocorrer hoje através da jurisprudência, é algo ainda meio obscuro para os juristas acostumados a se pautarem exclusivamente pelo texto legal.

O tratamento legal disso ameaça a supremacia do executivo e legislativo, no esquema institucional do liberalismo clássico em que vivemos. Não se quer abdicar dessa supremacia. A cultura normativista do direito brasileiro ainda protege essas prerrogativas. O código de processo coletivo pretendia incluir tais poderes através de normas para o judiciário. Nesse ponto é que suponho que seja considerado inviável. O entrevistado parece querer restringir o alcance de um instituto de maneira indevida.

Em suma, acho que até é possível a utilização da ação coletiva com propósito de celeridade. Mas acho que a celeridade não é o único bem que devemos buscar nas reformas processuais, muito menos quando se está falando de ação coletiva que envolve em sua doutrina muitos outros propósitos.

Um comentário final sobre a celeridade: acho que tu estavas na sala quando uma professora de processo penal nossa soltou uma pérola, parafraseando um autor italiano: "Processo é que nem andar de bicicleta. Se formos muito devagar, caímos. Se formos muito rápido, caímos também." As vezes acho que a reforma anda “morcegando” ônibus...

Grande abraço, meu amigo! Comente sempre.

Daniel

Simone disse...

Gostei do blog!
Parabéns!

Anônimo disse...

Nobre Baluarte!

Apesar de que esta é a minha estréia nos comentários do seu blog, "folheio-o" vez ou outra, em face da nossa amizade e do profundo saber jurídico do blogueiro e dos comentaristas. Curvo-me diante da excelsa sapiência jurídica de V.Exas.!

Um tema que me instiga desde os primórdios da graduação em Direito, em que tive o privilégio de ser colega de V.Exa., é a notória morosidade do nosso sistema judicial. Isso, na prática, nega os muitos direitos que nosso ordenamento assegura. Chega a levar às lágrimas rogar por anos a fio ao órgão judicial, em busca de um simples habeas corpus ou de uma antecipação de tutela. Maldade dos juizes contra a parte, ou seu patrono? Conspiração do Judiciário para estorvar o mister dos causídicos? Acredito que não, inclusive porque a maioria dos que hoje envergam a toga do magistrado, já sentiram na pele as angústias do dia-a-dia do advogado.

Culpa de um sistema legal confuso e contraditório, que é um verdadeiro acinte contra os pobres sofredores que enveredam por seus caminhos. A tal ponto que afigura-se a muitos melhor a perspectiva de suportarem silentes os atentados contra seus direitos, do que requerer ao Judiciário o exercíco da sua tutela, para correção das injustiças e reequilíbrio da paz social.

Baluarte, nesse diapasão, gostaria de pedir a V.Exa. vossos comentários sobre uma falta que acho vergonhosa nessas propostas de Reforma do Judiciário: a pouca (ou nenhuma) atenção dada ao que considero o melhor instrumento para que a almejada celeridade processual, saia da letra da lei e chegue às barras de fóruns e tribunais, satisfazendo rapidamente, assim, os anseios dos jurisdicionados por uma justiça célere: a conciliação.

Baluarte, nosso processo é orientado demais para o contraditório. Desde as primeiras cátedras da universidade, somos treinados unicmente para defender os interesses do nosso constituinte com unhas e dentes - e o bom advogado, o que está correto, é a voz do seu cliente no processo, tem de usar todos os meios legais para defender perante as autoridades o que seu cliente acha certo e justo. No entanto, muitas vezes a paciente, e amiúde árdua, composição dos interesses deveria ser buscada com mais ardor pelos profissionais envolvidos, para que se concretize a finalidade última do Direito: a adequada distribuição da justiça.

Assim, peço a V.Exa. vossa opinião sobre esse tema por vezes controvertido, mas cujo debate é sumamente necessário.

DANIEL COUTINHO DA SILVEIRA disse...

Caro amigo Thiago,
É uma honra para mim ter seu comentário no blog.
Considero tão pertinente seu comentário que farei uma postagem para considerá-lo, que desde já dedico a você que de longa data é entusiasta de seus amigos.
Só para não deixá-lo sem resposta imediata: a conciliação entra no estudo dos conflitos como um dos meios alternativos de resolução de controvérsia distintos do contencioso judicial. As pesquisas mais interessantes da USP referentes ao direito processual abordam justamente esses meios alternativos, tais como arbitragem, mini-trials, fact-finding, mediação, conciliação, dentre outros. Esses são instrumentos não somente convenientes, mas necessários ao mundo que hoje se apresenta.
Prometo que em breve apresentarei algumas linhas sobre isso que Vossa Baluarticência lembrou muito bem!
Abraço,
Daniel

Unknown disse...

Achei muito louvavel a atitude de nossos parlamentares em tentar promover a criação de leis uteis para variar um pouco o que sei é que a situação em que se encontra o judiciario brasileiro está um caos, mais tem convicção de que a melhor solução seria presionar as pessoas que se encontram investids na autaridade judiciaria para mim os principais responsavis por essa situação

DANIEL COUTINHO DA SILVEIRA disse...

Caro Brito,
A intenção de resolver o problema é realmente louvável, não se duvide. Acredito na boa-fé, inclusive tenho amigos que trabalham nessas reformas no Ministério da Justiça. Minha crítica é mais relacionada com o que se considera problema. Eu, que gosto de estudar o processo judicial, sou da opinião que não se estão identificando corretamente os problemas. Entendo que a demora não é uma questão meramente processual, daí minhas críticas.
Uma coisa me chamou atenção em seu comentário: a remissão à questão da autoridade responsável. Entendo que todos somos responsáveis para resolver essa situação. E isso somente ocorrerá com o diálogo, especializado ou não. Daí a existência desse cantinho e, principalmente, a importância do seu comentário.
Muito obrigado pela participação e volte sempre.
Abraço,
Daniel